A Campanha Setembro Amarelo foi criada em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), com apoio de entidades internacionais de prevenção ao suicídio. Setembro é o mês mundial de Prevenção ao Suicídio. Ao pesquisar as origens da campanha, vejo que muitos dos textos replicados falam em “celebrar” ou “comemorar” esse dia. Será mesmo correto falar em celebração ou comemoração para um evento tão grave? Seguramente não. Nem pela data em si, nem pela pouca eficácia que temos tido em, de fato, prevenir o suicídio, sobretudo porque há um grande descaso da sociedade e ainda um grande despreparo dos profissionais de saúde para lidar com a pessoa que está pensando ou que tentou se suicidar.
Em casa, na escola, entre os amigos, pessoas que pensam na possibilidade do suicídio como alívio para seu sofrimento psíquico são, muitas vezes, tratadas com descaso, desprezo e chacota. Nos serviços de saúde, sobretudo em prontos-socorros e pronto-atendimentos, essas pessoas geralmente são vítimas de violências verbais, do tipo: “quer morrer, faz direito” ou “minha filha, tanto paciente grave para atender aqui e você chega com essa frescura?”; e não raras vezes, de violências físicas, com utilização de procedimentos desnecessários ou invasivos, seja por despreparo, seja por perversidade, com o intuito de castigar aquela pessoa que já está sofrendo.
Estudos sobre suicídio mostram que, muitas vezes, o suicídio concluído, ou seja, quando a pessoa consegue de fato dar fim à sua vida, ocorre com muito mais frequência logo após uma tentativa de suicídio malsucedida. Talvez, o principal motivo seja realmente o fato de a pessoa continuar num estado de sofrimento e desejar exterminá-lo. Por outro lado, temos que pensar que esse novo ato que pode levar a pessoa à morte pode ser resultado do descaso, da falta de empatia de familiares e amigos, da falta de suporte adequado nos serviços de saúde. Não raras vezes, quando uma pessoa tenta suicídio e é levada a um pronto-socorro, ela recebe alta após compensada a parte clínico-cirúrgica (efeitos das medicações ingeridas, sutura de ferimentos, entre outros) sem ter sequer sido avaliada por um profissional de saúde mental. Em alguns casos, mesmo que essa pessoa seja avaliada por este profissional, ela recebe alta com receitas médicas, encaminhamentos e, na longa espera por uma consulta psiquiátrica ou atendimento psicológico, a esperança pode se esvair um pouco mais e culminar com um novo ato, que pode ser fatal.
Quando falo de longa espera por atendimento, não me refiro apenas ao atendimento no SUS. É claro que há uma defasagem imensa de profissionais e serviços de saúde mental e o atendimento extra-hospitalar, que deveria ser rápido nesses casos, pode chegar tarde demais. Mas esse problema também ocorre com frequência na rede privada, onde a espera para uma consulta psiquiátrica também pode demorar alguns meses nos convênios médicos.
Nos muitos anos em que trabalhei em serviços de emergência na cidade de São Paulo, atendi inúmeros casos de tentativas de suicídio e pude constatar que, quando uma pessoa que está pensando em se matar recebe atendimento adequado, com atenção, cuidado e sensibilidade; quando seus acompanhantes são bem orientados e quando você oferece opções mais rápidas de atendimento, com uma reavaliação ou uma consulta marcada em poucos dias, é possível fazer com que essa pessoa se vincule melhor ao tratamento, trazendo esperança e melhora da qualidade de vida. Entre 2014 e 2016, coordenei um serviço de atendimento de pacientes agudos, chamado “Ambulatório de Crise”, no qual pessoas com quadros que haviam chegado no pronto-socorro eram atendidas poucos dias após, no máximo em uma semana após a alta hospitalar. O resultado era muito positivo: evitavam-se internações, diminuía-se o tempo de permanência no pronto-socorro e a pessoa já iniciava o atendimento ambulatorial, com maiores chances de vincular-se ao tratamento.
Concluindo, não adianta fazer uma campanha maciça contra o suicídio se não mudarmos a visão sobre o paciente suicida e sobre a pessoa em sofrimento mental; também é inútil oferecer “ajuda” nas redes sociais, copiar e colar mensagens de apoio num mural virtual se não formos realmente capazes de acudir e ajudar aquela pessoa. E, finalmente, não podemos banalizar a saúde física e mental, com “meses coloridos” que sejam pouco efetivos na prática.
Marcelo Niel é médico psiquiatra e psicoterapeuta junguiano, Doutor em Ciências pela UNIFESP, supervisor clinico-institucional em Psiquiatria Clínica e Psicoterapia