Quase 70% dos tipos de cânceres hoje são tratáveis. A cura depende, nesses casos, de diagnósticos precoces. Por meio da inteligência cognitiva, supercomputadores de cinco grandes players globais produzem laudos médicos em minutos, com uma assertividade de quase 70%, enquanto que as melhores equipes médicas, depois de dias de análises, chegam a até 60%. Já no Brasil, empresas de menor porte que utilizam a Inteligência Artificial em medicina diagnóstica alcançam 94% de precisão.
Além do desenvolvimento de tecnologias próprias, empresas de polos tecnológicos brasileiros, como o Porto Digital, de Pernambuco, criam soluções com o uso de AI voltadas aos problemas de saúde característicos do país, como o desenvolvimento de exames para doenças tropicais negligenciadas, como leishmaniose, esquistossomose e tuberculose, que, além de mais assertivos, são mais baratos que os tradicionais, o que amplia o número de pessoas que podem ser beneficiadas.
A AI também acaba com distâncias, o que atende a outras necessidades típicas do país. Muitos hospitais não possuem laboratórios próprios, enquanto que alguns estados sequer dispõem de especialistas em áreas como radiologia, o que força os pacientes a viajarem grandes distâncias para obterem laudos dos seus exames. No caso de Raio X, tomografias e ressonância magnéticas, que não demandam amostras de tecidos, eles podem ser transmitidos eletronicamente para que um sistema em nuvem identifique, em minutos, padrões, a quais patologias e especialidade médicas estão relacionados, para que um médico produza o laudo. As soluções elevam, assim, a produtividade de profissionais da saúde.
A AI também possibilita a hospitais prever o consumo de suprimentos, leitos, equipamentos e pessoal. Com uso de Big Data e redes neurais, o histórico de consumo e fatores que o afetam são identificados, o que varia de uma instituição para outra, de acordo com o público, localidade e forma como operam. Desta forma, os hospitais podem prever a demanda por pessoal e recursos, particularmente em áreas de maior criticidade, e seus desembolsos antecipadamente. A análise de saídas de milhares e milhares de itens em anos, realizada em minutos pela AI, é tarefa inviável para humanos.
Outro grande problema para hospitais e clínicas é quando pacientes não vão às consultas marcadas, o chamado no show. As lacunas deixadas nos horários resultam tanto na perda de receita, por conta de atendimentos não realizados, quanto em gastos com pessoal, devido aos profissionais mobilizados. Isso leva várias instituições a não trabalharem com agendamentos, o que acarreta outros contratempos, como a chegada de um número de pessoas muito superior ao volume de atendimentos que se pode realizar. A análise do histórico dos pacientes via bases públicas de agendamento, possibilita que se preveja, com até 90% de precisão, quais pacientes irão ou não às consultas.
Outro benefício é a redução de custos e otimização de recursos. Já muito utilizada pelo mercado financeiro na detecção de fraudes, a AI pode ser empregada para o mesmo fim na área de saúde. Antes de reembolsar clínicas e hospitais pelos tratamentos realizados com seus segurados, operadoras analisam a compatibilidade entre procedimentos e seus custos com materiais, equipamentos e profissionais. O trabalho mobiliza equipes de analistas que se deparam, em algumas companhias, com dezenas de milhares de processos ao mês. Em meio a esse volume, são liberados pagamentos de materiais que nunca foram utilizados. Próteses, por conta dos elevados valores, são alvos prioritários para fraudadores.
A análise adequada de gigantescos volumes de dados demanda o uso de Big Data e AI, sem o que a verificação, ainda sujeita a muitas falhas, envolve um número significativo de profissionais. Ganhar de escala e, por isso, contratar mais pessoal, inviabilizaria o negócio. O conjunto de informações encaminhadas por hospitais às operadoras podem gerar perfis de custos para cada tipo de tratamento, os que podem ser fraudes e de casos de alta complexidade.
Por outro lado, os reembolsos glosados por operadoras acabam gerando problemas no fluxo de caixa dos hospitais. Até que os custos de determinados procedimentos sejam comprovados, os valores não são liberados. Em casos assim, que podem resultar de erros no preenchimento de formulários, a AI também pode traçar o perfil de custos que possuem maior possibilidade de serem questionados, o que possibilita que correções sejam realizadas antes do encaminhamento dos processos. Desta forma, ao invés de receber os valores com atraso de meses ou ter de entrar com recursos, as instituições garantem o recebimento na primeira solicitação.
Em meio a esses embates entre operadoras e hospitais, médicos e demais profissionais de saúde têm seus pagamentos postergados por conta de glosas, o que os fazem recorrer empréstimos junto aos hospitais. As instituições, como bancos, cobram juros nessas operações. Com a experiência no uso de AI em análise de risco de crédito, é possível identificar a probabilidade de o reembolso da operadora atrasar, em quanto tempo, ou não ocorrer, o que possibilita que esses empréstimos tenham juros adequados ao risco de cada procedimento, o que favorece ambos os envolvidos.
A presença de grandes players internacionais é favorável para que gestores da área de saúde compreendam os ganhos que a inteligência artificial pode proporcionar ao setor, o que tem se intensificado nos últimos anos. Há, porém, fatores culturais, características de cada região, que precisam ser compreendidos localmente. Este aspecto, bem como o domínio da tecnologia, já é disponibilizado por empresas brasileiras.
Adrian Arnaud é sócio da Neurotech e Paulo Melo é cofundador da PickCells