No dia em que Pietro completou onze anos, sua avó ganhou um coração novinho em folha. No dia 23 de junho, dona Luzanira de Souza Campos, de 64 anos, portadora de miocardiomiopatia dilatada desde 2005, foi a primeira paciente a passar por um transplante de coração no Hospital Brasília (DF). Foi o primeiro – e vitorioso – procedimento desse tipo a ser realizado em um hospital da rede particular do Distrito Federal. Para o cirurgião responsável pelo procedimento no Hospital Brasília, Fernando Atik, esta é “mais uma vida, mais uma história. Cada pessoa que ganha um coração novo é uma história emocionante e inédita para contar”.
Dona Luzanira já havia passado antes por quatro procedimentos para implantação de marcapassos. O mal-estar e o cansaço já a impediam de ir sozinha à igreja onde é pastora. O agravamento dos sintomas, no último ano, com internações, o susto de uma parada respiratória e uma internação na UTI levaram a médica que a acompanhava a sugerir a possibilidade de um transplante.
“No dia 8 de abril, a cardiologista começou a falar com a gente sobre essa possibilidade”, conta Elaine, filha da paciente. Nesta mesma época, a família foi informada de que o Hospital Brasília fora credenciado pelo Ministério da Saúde para realizar o procedimento.
Começou a batalha contra o tempo: eram necessários exames para aferir as condições de saúde da paciente e se ela estava pronta para enfrentar o procedimento. Entre o primeiro pedido e a liberação para a cirurgia, passaram-se quase dois meses.
“A gente sabia que, além disso, teria a fila para encontrar o doador”, conta Eliane. O coração novo de dona Luzanira foi encontrado em Itajaí (SC) no dia 22 de junho. A enfermeira Maiara Casarin Fontes, da equipe de captação de órgãos do Hospital Brasília, conta que a logística envolvida requer um bom planejamento e várias pessoas envolvidas (2 médicos, 2 enfermeiras e 1 perfusionista). Um coração pode ficar por quatro horas fora do peito doador até ser transplantado. O voo entre Itajaí e Brasília leva cerca de duas horas e só é possível ter certeza de que o coração é, de fato, compatível, quando a equipe que faz a captação do órgão consegue avaliá-lo.
As enfermeiras que fazem a captação contam que ter um órgão dessa importância em mãos é como carregar um recém-nascido, porque ele significa vida nova para o paciente que não tem outra esperança. “Chegar ao hospital com o coração é muito emocionante”, completa.
No caso de dona Luzanira, a família foi avisada sobre a possibilidade de um coração ser compatível às sete horas da manhã do dia 23. A certeza só veio, porém, ao meio dia. Elaine conta que a melhor notícia sobre a cirurgia de sua mãe foi quando souberam que o coração batera “de primeira” no peito novo. Era a certeza de que ele estava onde deveria estar.
O cardiologista Vitor Barzilai, que acompanhou o pós-operatório da paciente, lembra que o transplante não foi feito em um cenário totalmente controlado. Ela vinha de uma longa internação em outro hospital e também era dependente de uma medicação que mantinha a pressão e o fluxo sanguíneo do organismo estável. O medicamento era indispensável para que os rins funcionassem e não houvesse retenção de líquido, uma característica de pacientes com insuficiência cardíaca. “A perspectiva agora é que, passados os primeiros três meses, ela recupere a qualidade de vida e possa fazer coisas que não fazia mais, como andar sozinha, beber água, se exercitar e ter uma vida normal”, conclui o especialista.
Todos os desafios pós-cirúrgicos foram superados, segundo a família, com a dedicação da equipe que acompanhou a paciente na UTI. O carinho foi tanto que a família preparou lembrancinhas para entregar a médicos, enfermeiros e intensivistas. “A emoção deles com a recuperação da minha mãe não tem preço”, diz a filha, emocionada.
Dona Luzanira saiu da UTI no dia 13 de julho e se recuperou o restante do tempo em um quarto normal do Hospital Brasília. Já se encontrou com o neto Pietro e recebe o carinho da família. Tem previsão de alta para esta sexta-feira (7), no início da tarde.
Expectativa e emoção
A enfermeira Maiara participou também do procedimento. Ela conta que, por ser o primeiro transplante cardíaco, havia muita torcida e expectativa por parte da equipe. Dentro da sala, foram mais de 10 profissionais. Pelo menos cinco médicos participaram da cirurgia, além de instrumentadores e da equipe de enfermagem. Maiara explica que toda essa organização começou na noite do dia 22. “Quando recebemos a confirmação de que o coração de fato era bom, a movimentação no centro cirúrgico ficou ainda mais intensa, pois se iniciou nesse momento todo o preparo para que, quando o órgão chegasse aqui, já estivesse tudo pronto”, relatou a enfermeira.
Cirurgião responsável pelo transplante, Fernando Atik tem larga experiência nesse tipo de procedimento. Ele montou o serviço de transplante cardíaco no Distrito Federal. Desde 2007, já fez 276 transplantes na Rede Pública do DF e diz que o sucesso de uma cirurgia desse porte é o resultado do trabalho em equipe.
Atik explica que a internação dura o tempo necessário para que a paciente tenha alta em condições seguras. “Quando o coração não funciona direito, todos os órgãos passam a sofrer”, explica o médico. No caso da dona Luzanira, os rins estavam funcionando precariamente. Quando chega num momento em que o tratamento padrão não surte mais o efeito desejado, nós optamos pelo transplante”, acrescenta.
Apesar da experiência, Atik se emociona com a história de cada paciente. Para ele, todos têm uma história de vida e de recuperação para contar. O importante, no pós-operatório, é seguir à risca as orientações dos médicos. Também é preciso manter, por toda a vida, a medicação contra a rejeição e alguns cuidados com a alimentação, manter hábitos de vida saudáveis.
Dona Luzanira se recuperou no Hospital Brasília cercada pelo carinho da família e com passeios no jardim. Em 2021, a festa de aniversário de Pietro não será só dele. A avó vai comemorar junto o primeiro ano de seu coração novinho.
Transplante de Órgãos
O Hospital Brasília realiza transplantes de medula óssea (autólogo e alogênico), de fígado e de rim. Recentemente, tronou-se o primeiro hospital privado do Distrito Federal credenciado para a realização de transplante cardíaco. A instituição é a segunda do país em número de transplantes de fígado em hospitais privados e a primeira do Centro-Oeste, segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes, de 2019. Em janeiro do ano passado, o primeiro implante renal por cirurgia robótica com uma equipe médica 100% brasileira foi realizado no Hospital Brasília.
O Distrito Federal é uma das unidades da federação com mais doação de órgãos, mas a pandemia diminuiu consideravelmente este número. Tanto pelo aumento da mortalidade em casa, quanto pela diminuição do número de acidentes e ainda pela quantidade de doadores contaminados. Para o Dr Fernando Atik, é preciso haver mais campanhas de conscientização para a doação no Brasil. “Um doador pode salvar muitas vidas, mas as famílias precisam consentir a retirada dos órgãos. Ainda temos muito trabalho pela frente para aumentar o número de doadores”, conclui o médico.