Agora, que o cansaço com a longa quarentena e a notícia alvissareira de que vários Estados registram queda no número de mortes pela Covid-19 fizeram muita gente baixar a guarda, é vital que o Brasil passe a fazer os testes em massa, essenciais para que se possa evitar a ‘segunda onda’ que já se faz presente em alguns países da Europa.
“Testar, testar, testar”, a recomendação redundante do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) não deve ser vista como retórica, mas como a única receita comprovada para salvar vidas. Afinal, ainda não apareceram nem o remédio milagroso nem a vacina comprovada, apesar do esforço incansável de dezenas de milhares de cientistas do mundo todo.
Ainda persistem dúvidas sobre o comportamento do vírus. Havia um grande temor de que o contágio fosse explosivo nas favelas brasileiras, nas quais há barracos onde três ou mais pessoas dormem na mesma cama, mas embora o novo Coronavírus tenha afetado em maior parte a população mais pobre, a infecção não se espalhou à velocidade que se temia, o que é uma boa notícia.
Embora tenham melhorado muito as condições de tratamento no Brasil, com novos protocolos, os riscos continuam, como mostram as mudanças do ‘status’ dos Estados que, segundo as estatísticas estão em estabilidade ou queda do número de mortos num dia e de repente passam a registrar aumento, sem que se possa identificar precisamente a causa.
Nessa situação estranha, da luta contra uma doença ainda insuficientemente conhecida, enfrentamos agora novos problemas, as praias lotadas, os barzinhos cheios pelos jovens exaustos pela ‘prisão domiciliar’, a abertura do comércio e o relaxamento, pelo cansaço, do distanciamento social.
É nesse contexto que precisamos seguir o exemplo dos países que estão derrotando a epidemia, a Alemanha, a China e principalmente a Coreia do Sul. E não há dúvida, o caminho que escolheram foi testar, testar e testar.
Foi com o teste molecular, aplicado a pelo menos 10% da população, que os países que se saíram melhor ao enfrentar a pandemia conseguiram amostragens região por região, nível de incidência do vírus em cidades, faixas etárias ou sociais, formando uma fotografia da situação do país.
A geolocalização perfeita é que torna possível bloquear o contágio. Se a autoridade municipal, por exemplo, comprovar pela testagem em massa que determinado bairro está com alto nível de infectados, um lockdown limitado, uma campanha de conscientização específica para essa área, que não afeta nem prejudica a economia da cidade como um todo, vai evitar que a infecção se espalhe.
Em contrapartida, a testagem em massa mostrará bairros, escolas e talvez cidades onde o vírus não circula mais. Essa testagem em massa não foi feita antes, tanto porque faltavam testes, decorrência da demanda mundial, como pela dificuldade logística em cidades pequenas e bairros distantes num país com imensa desigualdade de desenvolvimento. Agora já foram desenvolvidos e estão disponíveis no Brasil kits de coleta – swab e tubos – que permitem preservar as amostras à temperatura ambiente, sem refrigeração.
A amostra pode ser levada sem problemas até o laboratório, muitas vezes distantes milhares de quilômetros do local da coleta, permanecendo estáveis por até 72 horas. Estes insumos já estão até mesmo sendo exportados pelo Brasil para outros países da América Latina, Paraguai entre eles.
A conclusão é que a testagem em massa, difícil no início da epidemia, já pode ser realizada rapidamente onde é necessária. O que falta agora é a política pública bem desenhada para permitir o controle da epidemia, como conseguiram outros países. O resultado será contado em milhares, quem sabe dezenas de milhares de vidas que serão poupadas.
Guilherme Ambar é biólogo e CEO da Seegene do Brasil, ramo nacional da empresa cujos testes ajudaram a Coreia do Sul a ter sucesso contra a pandemia de Covid-19