O Brasil não tem recebido os medicamentos que compõem o esquema poliquimioterápico (PQT) para o tratamento da hanseníase. A Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) busca informações junto ao Ministério da Saúde (MS) sobre o estoque mas, segundo o médico hansenologista Claudio Salgado, presidente da SBH, nenhum dos ofícios esclarece sobre o quantitativo de medicamentos disponibilizados para o ano de 2020.
No Brasil são diagnosticados 30 mil novos casos da doença por ano. A SBH estima, no entanto, que em razão de falhas no sistema de saúde, existem pelo menos 100 mil casos novos da doença no país. Em número de casos, o Brasil só perde para a Índia.
Essas e outras informações foram relatadas por ele, pelo vice-presidente da SBH, o médico hansenologista Marco Andrey Frade, e pelo representante do movimento de Reintegração das Pessoas Afetadas pela Hanseníase (Morhan), Artur Custódio, na audiência com o Ministério Público Federal (MPF) que aconteceu na quarta-feira (28). Na reunião, o presidente da SBH informou que pelo menos 20 pacientes do estado do Pará, onde ele atua, foram diagnosticados e retornaram para suas casas sem tratamento. “Isso é muito grave porque eles continuam transmitindo a doença enquanto não tomam a medicação”, alerta. O paciente em tratamento deixa de transmitir a hanseníase. O Pará é um dos estados brasileiros com maior incidência da doença.
O tratamento da hanseníase é preconizado pela Organização de Saúde (OMS) que subsidia o envio da medicação para o Brasil. Esses medicamentos são distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Há, segundo Salgado, medicações alternativas. “Mas o Ministério da Saúde não disponibiliza gratuitamente e esse é um dos grandes problemas que enfrentamos em todo o país”, explica.
Artur Custódio alerta para o fato de que as três medicações que compõem o esquema PQT poderiam ser fabricados no Brasil. Segundo ele, a representação foi protocolada em razão de inúmeras denúncias de fragilidades no fornecimento dos medicamentos, em especial da PQT (Tratamento Poliquimioterápico) em todo o Brasil, situações agravadas no período da pandemia. Ele repassou informações sobre problemas na produção do medicamento reportados pela Novartis, laboratório responsável pela fabricação do PQT, e no transporte do medicamento ao Brasil, reportados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Temos a informação de uma remessa recebida nas últimas semanas pelo Brasil na tentativa de suprir o desabastecimento que estava instalado. Mas o que poderia, definitivamente, evitar novos desabastecimentos, seria a fabricação dos medicamentos no país, o que, além de necessário, é bastante viável, considerando que se trata de medicamentos sem patente”, defendeu.
Os representantes do MPF vão questionar o Ministério da Saúde, bem como a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que já foram recentemente questionadas sobre a situação pela SBH, sobre os fatos. “Não foi a pandemia que desabasteceu o país, mas sim a negligência histórica dispensada aos doentes de hanseníase no Brasil. Faltar medicação significa manter a doença ativa nas comunidades, além de facilitar a instalação de sequelas gravíssimas em pessoas que necessitarão ainda mais do estado para sobreviver”, finaliza Cláudio.