Estudo usa Inteligência Artificial para aumentar precisão no diagnóstico de câncer

O câncer é uma doença genética resultante do acúmulo de mutações que ocorrem no DNA das células ao longo da vida. Essas mutações são geradas por diversos mecanismos endógenos e exógenos, que incluem o hábito de fumar, a exposição a raios ultravioleta (UV), infeções virais, inflamação crônica, entre outros.

Para lidar com esses “insultos” ao DNA, processos complexos conhecidos como vias de reparo agem de forma eficiente para corrigir um conjunto amplo e heterogêneo de lesões – estas, quando não corrigidas, promovem instabilidade celular e, consequentemente, favorecem a transformação das células normais em neoplásicas.

Um dos principais mecanismos para o surgimento de tumores em sítios específicos – como mama, gástrico, cólon e reto – está associado às falhas em várias vias de reparo. Por outro lado, as células tumorais que apresentam esse tipo de deficiência possuem sensibilidade maior às terapias-alvo, favorecendo, assim, tratamentos personalizados que refletem na melhora da sobrevida global do paciente.

Para identificar os pacientes que podem se beneficiar desses tratamentos é necessário realizar testes moleculares em um ambiente com equipamentos e técnicos especializados. No entanto, nem todos os hospitais oferecem este tipo de abordagem, o que limita o número de pacientes que podem ser triados para um tratamento adequado. Essas limitações são amplificadas quando os pacientes não têm condições de pagar pelos testes moleculares.

Esse cenário motivou os cientistas pesquisadores do Centro Internacional de Pesquisas (CIPE) e os patologistas do A.C.Camargo Cancer Center a desenvolverem um estudo publicado na revista científica Cancers: Deep Learning Predicts Underlying Features on Pathology Images with Therapeutic Relevance for Breast and Gastric Cancer .

“A partir das imagens de lâminas da anatomia patológica obtidas durante o diagnóstico dos pacientes oncológicos, desenvolvemos uma ferramenta capaz de predizer os tumores que possuem deficiência em vias de reparo que são sensíveis a tratamento com alguma droga-alvo”, explica o Dr. Israel Tojal da Silva, Head do Laboratório de Bioinformática e autor principal do estudo.

Inteligência artificial em exames patológicos

A ferramenta utiliza uma técnica de Inteligência Artificial (IA), conhecida como aprendizado profundo, para detectar padrões ocultos na morfologia do tecido tumoral resultantes das alterações que ocorrem a nível molecular. Essa ferramenta é capaz de predizer alterações presentes nos tumores e, no caso deste estudo, a presença de deficiência nas vias de reparo do DNA.

Na construção desse modelo, segundo o Dr. Israel Tojal, foi necessário definir, previamente caracterizados por análises moleculares, dois grupos de pacientes com e sem deficiência em uma dada via de reparo de interesse e relevância terapêutica. Ao total, foram usadas imagens de 1.445 pacientes com câncer de mama e estômago em conjunto com informações moleculares e clínicas.

“Nesse processo, a primeira etapa compreende a preparação dos dados onde cada imagem é cortada em milhares de pedaços. Esses pequenos pedaços são, então, pré-processados com o objetivo de remover aqueles sem ou com pouca informação acerca da histologia celular. Em seguida, é realizada uma etapa de treinamento, avaliação e aprimoramento dos parâmetros. Ao final, um conjunto de novas imagens são utilizadas para predição dos pacientes que apresentam deficiência na via de reparo a partir do modelo desenvolvido”, conta o Dr. Israel.

Inovação

A principal novidade da pesquisa é que, uma vez que essa técnica seja implantada na rotina da anatomia patológica, haverá uma ampliação no número de pacientes que terão acesso às modernas opções de tratamento. Além disso, essa abordagem pode trazer economia ao sistema de saúde, já que testes moleculares mais complexos e que necessitam de uma infraestrutura sofisticada e cara deixariam, a princípio, de ser necessários.

“Essa plataforma beneficia o paciente ao incorporar informações precisas que podem melhorar a conduta terapêutica e sua sobrevida. Como resultado do investimento em pesquisa básica e aplicada, o A.C.Camargo beneficia-se do desenvolvimento de uma inovação que reforça seu protagonismo na oncologia de precisão”, afirma o médico.

Conclusões

De acordo com o Dr. Israel, a confiabilidade dos resultados foi demonstrada avaliando o modelo em um conjunto de dados independente, que foi obtido a partir dos pacientes do A.C.Camargo. “Esses resultados endossam que modelos de aprendizado profundo podem ser usados para avaliar informações clinicamente relevantes a serem utilizadas em benefício dos pacientes”, diz.

Mais: Inteligência Artificial no exame de imagem

Outro estudo integrado pelo A.C.Camargo que utilizou a inteligência artificial – este, com foco em exames de imagem – contou com a cooperação de instituições renomadas, caso do nova-iorquino Memorial Sloan Kettering Cancer Center, da Universidade de Viena e do Hospital Sírio-Libanês.

Segundo o Dr. Almir Bitencourt, médico titular do Departamento de Imagem do A.C.Camargo, o trabalho publicado no periódico EBioMedicine surgiu a partir de estudos anteriores que demonstraram que a resposta ao tratamento sistêmico em pacientes com câncer de mama subtipo HER2 varia de acordo com o perfil de expressão intratumoral deste marcador.

“O objetivo do trabalho foi identificar padrões nas imagens de ressonância magnética (RM) das mamas que pudessem auxiliar na predição do perfil de expressão de HER2 nesses tumores, além da resposta ao tratamento”, conta o Dr. Almir, um dos autores do estudo.

A mecânica

Foi feito um levantamento com 311 pacientes com câncer de mama do subtipo HER2 que fizeram quimioterapia neoadjuvante e realizaram RM das mamas antes do tratamento.

“Através de análise radiômica, uma avaliação quantitativa de parâmetros obtidos nas imagens da RM, e com auxílio de algoritmos de inteligência artificial, identificamos modelos estatísticos capazes de predizer o perfil de expressão de HER2 intratumoral e a resposta ao tratamento”, explica o médico.

Resultados

“A pesquisa demonstrou que os modelos obtidos apresentaram elevada precisão diagnóstica, e podem ser utilizados no futuro para aprimorar as indicações e estratégias de tratamento”, diz o Dr. Almir Bitencourt.

Esses modelos deverão ainda ser testados em outras populações, em estudos maiores, antes de serem aplicados diretamente na prática clínica. Mas os resultados demonstram o potencial do uso da radiômica e da Inteligência Artificial para permitir um manejo mais personalizado no tratamento do câncer de mama.

Redação

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