A cepa B.1.1.7 do SARS-CoV-2 detectada na Inglaterra e em diversos países da Europa e do Mundo* acaba de ser identificada no Brasil, informa a Dasa, especialista em medicina diagnóstica. A empresa já comunicou a descoberta ao Instituto Adolfo Lutz e à Vigilância Sanitária.
O estudo foi iniciado em meados de dezembro, quando o Reino Unido publicou as primeiras informações científicas sobre a variante, que se caracteriza por apresentar grande número de mutações, 8 delas ocorrendo na proteína da espícula viral (spike). Foram analisadas 400 amostras de RT-PCR de saliva, método que identifica três alvos distintos e não apenas o gene S, da proteína spike, e dentre elas, duas amostras apresentaram a linhagem B.1.1.7. “A spike é a proteína que o vírus usa para se ligar à célula humana e, portanto, alterações nela podem tornar o vírus mais infeccioso. Os cientistas ingleses acreditam que seja esta a base de sua maior transmissibilidade”, explica o virologista da Dasa, José Eduardo Levi.
Além do sequenciamento, a Dasa está com outra pesquisa em andamento em parceria com o Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-FMUSP): de isolamento e cultivo dessa linhagem do vírus em meio de cultura, no laboratório, para gerar material que permita testar a eficiência dos testes de diagnósticos que só se baseiam em proteína S com esta variante. “Alguns testes de imunologia e de sorologia que só identificam a proteína S podem apresentar resultados falso negativos nos diagnósticos dessa nova variante. Estamos antecipando a avaliação para definir os exames que sofram menos interferência em seu desempenho de diagnóstico, numa eventual expansão desta variante no Brasil”, explica o diretor médico da Dasa, Gustavo Campana.
A confirmação da cepa em dois pacientes foi feita por meio de sequenciamento genético realizado em parceria com o IMT-FMUSP. “O sequenciamento confirmou que a nova cepa do vírus chegou ao Brasil, como estamos observando em outros países. Dado seu alto poder de transmissão esse resultado reforça a importância da quarentena, e de manter o isolamento de 10 dias, especialmente para quem estiver vindo ou acabado de chegar da Europa”, conclui Ester Sabino, pesquisadora do IMT-FMUSP.
A mutação não é mais letal do que outras cepas dominantes, mas pode ser mais transmissível. No Reino Unido, ela já representa mais de 50% dos novos casos diagnosticados, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. “A prevenção ainda é o método mais eficaz para barrar a propagação do vírus: lavar as mãos, intensificar o distanciamento físico, usar máscaras e deixar os ambientes sempre ventilados. Apesar das festas de fim de ano e das férias que se aproximam, é imperativo reforçar os cuidados”, finaliza Campana.
* Números de casos detectados em cada país: Inglaterra (+ de 3 mil), Portugal (20), Itália (17), Dinamarca (9), Irlanda (7), Holanda (3), Noruega (2), França (1), Espanha (1), Suécia (1), Finlândia (2), Austrália (4), Israel (4), Coréia do Sul (3), Índia (2), Hong-Kong (2), Canadá (1), Singapura (1).
Variante do SARS-CoV-2 deixa comunidade científica brasileira em alerta
O ano de 2020 chegou ao fim e a pandemia do Coronavírus continua sendo, em níveis globais, a maior preocupação de todos. No Brasil, a Covid-19 está presente desde meados de março e as perspectivas de término, apesar das vacinas, ainda não são muito concretas. Chega 2021 com novas promessas, mas ainda assim com novos desafios. O mais recente deles é desvendar as causas e os efeitos das mutações genéticas ocorridas no vírus.
Muito se falou sobre as mutações do SARS-CoV-2 ao longo do ano. Foram várias mudanças genéticas que o vírus sofreu desde seu surgimento em Wuhan, na China, no fim de 2019. Porém, uma descoberta recente despertou a atenção de pesquisadores. A cepa intitulada VOC Variante SARS-CoV-2 emergente 202012/01 ou B.1.1.7 apresenta alterações que podem potencializar a velocidade de transmissão do vírus.
A mutação iniciou no sudeste da Inglaterra e se expandiu com facilidade pelo país, abrangendo 60% das infecções recentes de Londres. Não se sabe ao certo o porquê desse surgimento na Inglaterra. Por se tratar de uma mudança significativa na cepa do vírus (de cepa rara para cepa comum), especialistas da área investigam com urgência as características dessa mutação e da doença que ela causa.
Nelson Gaburo, gerente geral do DB Molecular, laboratório de apoio que atua na área de Biologia Molecular e Genética, explica que algumas mutações são silenciosas, ou seja, não mudam o aminoácido e nem interferem na produção ou na expressão de uma proteína essencial presente no vírus. Foi isso que aconteceu com as primeiras variações do SARS-CoV-2. “Já a nova variante, além de outras mutações silenciosas, apresenta também a mutação na sequência do gene da proteína Spike, a qual está associada ao reconhecimento pelo receptor da enzima conversora da angiotensina”, explica Nelson.
Essa mudança pode também influenciar o diagnóstico molecular. “Alguns kits de teste molecular têm como alvo somente o gene S, o que impactaria a sensibilidade de detecção, podendo gerar resultados falsos-positivos. Por isso, é importante a detecção de mais de um alvo, como sequências dos genes N (proteína do nucleocapsídeo) e E (proteína de envelope)”, complementa. Assim, com a checagem de outros genes, os índices de erros nos exames são praticamente nulos.
O que muda com a nova mutação?
Algumas implicações estão sendo relatadas sobre essa mutação, como a capacidade de se espalhar mais rapidamente em humanos, por exemplo. “O que acontece é que a nova mutação, designada N501Y, confere ao vírus uma ligação mais forte ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) humana. Isso facilita a entrada do vírus na célula humana”, explica Nelson.
Outra implicação seria em relação às vacinas já existentes e às em desenvolvimento. Nelson afirma que é provável que essa mutação não seja suficiente para impactar a eficácia das vacinas, mas que todos os esforços estão voltados para mais esclarecimentos nesse campo.
Apesar das preocupações com a nova variante do SARS-CoV-2, ainda não há evidências de que a nova mutação possa trazer aspectos mais agressivos à Covid-19. “A comunidade científica investiga a patogenicidade bem como os aspectos epidemiológicos. O importante é reforçar os cuidados já falados desde o início da pandemia: distanciamento social; lavagem constante das mãos e uso de máscara”, completa o especialista.