Desde o primeiro caso de contaminação registrado no final de fevereiro de 2020 – seguido de transmissão comunitária declarada em março pelas autoridades públicas brasileiras, e de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – o Brasil enfrenta diariamente o aumento alarmante de pessoas infectadas e de óbitos em decorrência do novo Coronavírus.
E pouco ainda se sabe sobre as sequelas permanentes causadas pelo vírus. Para debater o assunto, a Associação Paulista de Medicina reuniu especialistas, na última quarta-feira (11), em seu primeiro webinar do ano, transmitido pela TV APM, no YouTube: www.youtube.com/watch?v=dhp4YN6PJEA
O pneumologista Clystenes Odyr, em sua palestra, fez uma síntese sobre o surgimento do vírus, alertado inicialmente pelo oftalmologista Li Wenliang às autoridades chinesas sobre uma forma de peculiar de pneumonia que estava acometendo pacientes na província de Wuhan, no dia 8 de dezembro de 2019.
“Ele foi severamente advertido. No dia 29 de dezembro de 2019, foi identificado o agente biológico da pneumonia. No dia 9 de janeiro de 2020, foi traduzido sob o ponto de vista do seu código genético como SARS-CoV-2, semelhante às infecções por MERS-CoV e SRAS-CoV-1. E no dia 7 de fevereiro deste ano, perdemos o médico Li Wenliang, mais uma vítima da Covid-19”, informa.
Embora extremamente agressivo, o que diferencia o novo Coronavírus das duas infecções anteriores é o grau alto de contaminação. “Desde sua imigração, principalmente para a Itália e Espanha, observou-se que o vírus tem uma contagiosidade muito grande. A apresentação clínica é muito diversificada, desde o assintomático àquele paciente com repercussão sistêmica”, acrescenta o médico.
O vírus extremamente versátil – que inicialmente preocupava as autoridades públicas em relação à saúde dos idosos e de indivíduos com comorbidades – hoje acomete grande número de jovens. Além das variantes e do aumento da propagação de contaminação, levando-se ao entendimento que não há restrição de idade nem de doenças correlacionadas para a infecção.
“O cenário atual é muito diversificado, que vai desde uma ‘gripezinha’, com 80% dos pacientes com quadro de infecção simples de vias aéreas superiores, sem maior repercussão, aos 20%, com agravamento principal pulmonar, marco zero da Covid-19, sendo 5% que terão uma tragédia com quadro de deficiência respiratória grave, síndrome de agudo (SDRA) e, finalmente, de sepse (septicemia) – manifestação sistêmica”, complementa Odyr. Neste sentido, a literatura aponta como os três estágios da doença: infecção inicial, fase pulmonar e fase de hiperinflamação.
Síndrome pós-Covid-19
“Sobre a síndrome pós-Covid-19, temos que pluralizar para várias síndromes que acometem aquelas pessoas que estiveram na UTI, com o quadro de fadiga pós-viral, Covid-19 prolongada e lesão orgânica permanente. Em alguns pacientes, o processo inflamatório causado pelo vírus se mantém com IL-1, IL-6, TNF alfa, PCR e Dímero-D, microangiopatia, fenômenos tromboembólicos e déficit mitrocondrial”, determina o especialista.
De acordo com ele, a síndrome da fadiga crônica (física, mental e de estafa) apresenta alterações cognitivas e em sistema nervoso central – lentidão do processo de informação, déficit de atenção e memória, tarefas cognitivas requerem mais áreas do cérebro para serem realizadas (RNM), diminuição da substância cinzenta cerebral (RNM) e neuroinflamação crônica por ativação das células da glia (por PET scan).
Nas alterações em eixos hormonais, há diminuição dos níveis de cortisol, da liberação hipotalâmica de CRH e hipofisária de ACTH e alterações no sistema imune (disfunção de linfócitos natural killer, níveis de citocinas inflamatórias alterados, indicativos de inflamação crônica e ativação imunomediada das células da glia).
“Sem sombra de dúvidas, este momento que estamos vivendo é de muita tristeza. Atingiu a humanidade como um todo, não só os que padecem com a infecção, como aqueles que têm medo de se infectar, que tiveram a sua estrutura de vida modificada com o distanciamento social, com frustrações, perda de entes queridos, depressão, angústia, pânico, medo, uso de drogas lícitas e ilícitas, agressividade, suicídio, Síndrome de Burnout, compulsão e sentimento de culpa. Para nós, profissionais da Saúde, é angustiante ver colegas morrendo e excesso de trabalho. A pergunta que deixo é: ‘Estamos no começo do fim da pandemia? Este é o fim do começo? Ou será um novo começo?’”, questiona Odyr.
A pneumologista Jaquelina Sonoe Ota Arakaki reforça que hoje, a saúde pública tem como desafio reabilitar os mais de 10 milhões de sobreviventes. “Da mesma forma que tivemos uma chuva de artigos na fase inicial da Covid-19, hoje temos vários relatando as consequências do vírus, ressaltando que 80% têm sintomas persistentes depois de semanas da infecção aguda, principalmente, de fadiga crônica e da parte respiratória”, acrescenta.
Outro dado preocupante da médica aponta que 25% dos pacientes internados em UTI, que tiveram alta hospitalar, faleceram depois associados à comorbidade ou à evolução do novo Coronavírus. “Em resumo, acredito que da mesma forma que enfrentamos na fase inicial de desconhecimento da doença, ainda conhecemos muito pouco da Síndrome pós-Covid-19. Precisamos de uma avaliação multidisciplinar, sem dúvida, e a reabilitação terá um papel fundamental”, conclui.
Saúde mental
O psiquiatra Arthur Guerra trouxe para a discussão os transtornos mentais predominantes ocasionados com a crise sanitária. Antes da Covid-19, dados apontavam que o Brasil ocupava o primeiro lugar em quadro de ansiosos no mundo e o quinto lugar em número de depressivos. O consumo de álcool também está acima da média mundial per capita, 8,8 litros no país versus 6,4 litros da média mundial. “São situações que já deixaram o Brasil vulnerável no enfrentamento de uma pandemia”, destaca.
Nesse sentido, explica Guerra, a OMS posicionou a saúde mental como a quarta onda da pandemia. A primeira são propriamente as doenças relacionadas ao novo Coronavírus. A segunda as complicações urgentes não relacionadas à pandemia, para as quais muitas vezes o paciente não encontra uma equipe assistencial ou leito, uma vez que todas as atenções estão voltadas para os casos de Covid-19. A terceira são as descompensações de doenças crônicas, pois os pacientes adiam ou não retornam às unidades hospitalares com receio de contrair o vírus.
“A quarta onda são os problemas psiquiátricos, sobretudo, Síndrome de Burnout. Tem vindo como um tsunami enorme, de forma tão extensa, com impacto de forma ampla em crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos e profissionais que estão nas empresas ou em home office. Não vejo ninguém dizendo saber lidar de forma saudável, sob o ponto de vista mental, com esse tema da Covid-19”, informa o psiquiatra.
Sentimento de tristeza e depressão acometendo, em especial, as mulheres; aumento no consumo de cigarro em 34%; e álcool e insônia são alguns dados apontados em pesquisa nacional realizada pela Fiocruz – com cerca de 45 mil brasileiros, no começo de 2020, a respeito do impacto da pandemia na vida social.
“Precisamos fazer o diagnóstico e o tratamento, tentar a prevenção, com educação e informação, para garantir ampla disponibilização de suporte à saúde mental em emergências e apoio psicossocial. A saúde mental é um ponto nuclear para poder abordar e ajudar essas pessoas”, conclui o especialista.
O webinar foi apresentado pelo presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, e mediado pelos diretores Científico, Paulo Manuel Pêgo Fernandes, e de Economia Médica e Saúde baseada em Evidências da APM, Álvaro Nagib Atallah.
No próximo dia 17 de março, às 19h30, o Webinar APM será especial de suas Regionais – Modificações do comportamento diante da pandemia, da APM Botucatu; e Transtorno do espectro autista, da APM Ourinho. E no dia 24 de março, também às 19h30, a discussão será sobre Doenças Raras e Doenças Raras em Neuropediatria. Participe!