Estamos vivenciando a maior e mais severa crise sanitária do século e, me arrisco a dizer, uma das maiores crises da informação, visto que a capilarização da internet e redes sociais facilitou e muito a disseminação de informação, seja com viés ou não.
Para uma grande parcela da classe médica, muito preocupa a publicação de artigos apresentando drogas para determinada patologia com um nível de estudo muito insípido e, na maioria das vezes, insuficiente para que haja a tomada de decisão em prescrevê-la. É imprescindível saber o nível de evidência científica do dado em questão, assim como análise crítica da metodologia aplicada para obter tal dado — só assim o profissional médico consegue avaliar a aplicabilidade da medicação e seus riscos para cada paciente.
Para que seja incorporada à decisão clínica, devemos ter como prioridade a melhor evidência científica disponível, somada e equilibrada a outros fatores — como ética e conhecimento adquirido —, ligados ao paciente e ao profissional (valores pessoais, culturais, educacionais etc.), além de levar em conta as limitações (políticas de saúde, tempo etc.).
Ao iniciar a abordagem de conceitos técnicos, opto por alertar, assim como os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky o fizeram em 1971: cuidado com números pequenos.
Os seres humanos, em sua maioria, não são estatísticos de forma intuitiva. Isto é, dada uma informação com poucos dados (amostra pequena), pessoas tendem a confiar e tirar conclusões potencialmente precipitadas ao invés de questionar.
Amostras grandes são mais precisas do que amostras pequenas. As menores fornecem resultados extremos com mais frequência do que as grandes o fazem. Então apenas tamanho de amostra é suficiente para dizer que é a melhor evidência científica disponível? Não, há outras variáveis necessárias.
Quando uma pessoa afirma que tratou 100 pacientes com a medicação X e Y, e somente dois foram internados, qual é a pergunta que deveria ser feita? “Mas, e se não tratasse, qual seria o resultado?” Se essa pessoa também tivesse tratado outras 100 pessoas sem administrar a medicação X e Y (Grupo de Controle – sem intervenção) e também apenas duas ou três tivessem sido internadas, então não foi essa medicação (intervenção) que fez a diferença.
O que ocorre é que, na prática, atualmente, quem faz essas afirmações não tem o Grupo de Controle, parte vital do método científico, para afirmar isso. Ainda assim, não seria suficiente uma amostra grande, separada em dois grupos para obter o melhor nível de evidência. É preciso mais…
Os dois grupos (com intervenção e sem a intervenção) precisam estar em condições semelhantes, os examinadores e os examinados não podem interferir nos desfechos a serem avaliados. E, idealmente, não devem saber quem está em cada grupo.
Somando-se todas as etapas mencionadas até então, conseguiremos ter o segundo melhor nível de evidência científica disponível (prospectivo duplo cego randomizado controlado).
Além do nível de evidência, é importante avaliar, antes, durante e após o estudo, possíveis danos colaterais. Com poucas repetições (amostra pequena), e/ou curto período de tempo e/ou sem comparativo, não é possível afirmar se uma intervenção causa dano e não causa benefício, ou se causa benefício, mas o seu dano pode ser extremamente grave. Para pesar benefício e dano é mandatório verificar a variável risco-benefício, pois toda intervenção em saúde tem efeitos colaterais.
Por último, o melhor nível de evidência disponível encontra-se nas chamadas Revisões Sistemáticas, que são realizadas comparando, com boa metodologia, diversos estudos contidos no segundo melhor nível de evidência disponível (Ensaio Clínico Randomizado), observando características semelhantes e resultados diferentes para compilar todas as revisões e concluir, com alto poder de afirmação, se uma intervenção funciona ou não.
Em suma, quando nos depararmos com a questão de que há inúmeros estudos comprovando o benefício de determinado tratamento ou intervenção, precisamos nos perguntar: qual é o nível de evidência do estudo? (Estudos in vitro? Estudo com Animais? Opinião de especialista? Relato de caso? Série de Casos? Caso controle? Coorte? Ensaio Clínico Randomizado? Revisão sistemática?)
Fica a sugestão: um estudo de boa qualidade (Revisão sistemática ou Ensaio Clínico Randomizado) anula milhares de séries de casos.
Danilo Abreu é superintendente médico assistencial do Hospital Dona Helena, de Joinville (SC)