Um discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, nos alertou mais uma vez para uma situação óbvia: o financiamento da saúde no Brasil está entrando em colapso. E não é de hoje, nem é por causa apenas da pandemia do Coronavírus. Esse alerta já vem sendo feito há mais de uma década, em diferentes fóruns e instâncias.
Em meados de 2008, fui convidado para fazer uma apresentação na Comissão de Saúde do Senado Federal sobre obesidade e diabetes e o impacto da combinação das duas doenças no Sistema Único de Saúde (SUS). Já naquela época, os estudos demonstravam que provavelmente em 2030 a maior parte dos sistemas de saúde, seja público ou privado, entraria em colapso devido ao grande número de infartados, pacientes em hemodiálise, câncer, doenças ortopédicas, dentre outras, todas por consequência da obesidade. A pandemia fez o país colapsar 10 anos antes. Mas essa realidade já era prevista.
De lá pra cá, muito pouco ou quase nada foi feito. Quando falamos em custos na saúde a longo prazo, o primeiro fator que iremos avaliar é a progressão demográfica, ou seja, quantas pessoas estão nascendo, qual o número de vidas futuras que iremos cuidar e qual a longevidade média dessa população. Que doenças serão curadas e como as novas tecnologias afetam nos resultados e nos custos? E como podemos mudar esse cenário?
Hoje o brasileiro está muito mais longevo do que 20 anos atrás, além disso, temos uma população de jovens, com uma incidência maior de doenças crônicas como diabetes e hipertensão, do que tínhamos no passado. Esses jovens de hoje, apesar de terem mais sobrevida, trazem um custo maior para o sistema de saúde, quando comparados com as gerações anteriores.
Mas qual é realmente um dos maiores fatores causais do aumento de custo nos gastos com a saúde? Inevitavelmente imaginamos que doenças como diabetes, hipertensão, câncer e doenças cárdicas sejam os grandes vilões econômicos, isso é uma verdade relativa. O maior problema que temos e continuaremos enfrentando nos gastos com saúde é a obesidade.
Estudos dos mais diversos demonstram que ao compararmos curvas de envelhecimento, ou seja, a trajetória no longo prazo dos pacientes, os gastos de grupos de pacientes saudáveis se equivalem ao de pacientes portadores de doenças crônicas como diabetes e hipertensão. O custo individual dos pacientes portadores de doenças crônicas é maior, mas quando olhamos o custo total, eles se equivalem porque os pacientes saudáveis têm uma vida mais longeva, e trarão altos custos ao sistema de saúde ao envelhecerem. Já os doentes graves em geral morrem mais cedo e oneram o sistema por menos tempo.
Então eliminar as doenças crônicas, do ponto de vista financeiro, tem pouco efeito ao sistema, quando se fala em baixar custos, ou seja, pessoas saudáveis duram muito e gastam muito, já portadores de doenças crônicas, custam muito, mas vivem pouco, cessando os gastos. A única exceção do grupo de pacientes com doenças crônicas é a obesidade.
Pacientes portadores de obesidade, mesmo quando comparados com grupo de pacientes com doenças como diabetes e hipertensão, têm um custo tanto individual no presente, quanto futuro, muito maiores, pois precocemente desenvolvem doenças incapacitantes de alto custo. Em uma análise envolvendo pesquisadores médicos e economistas, realizada na Universidade de Stanford e o Hospital de Veteranos de Los Angeles foram estudados e prospectados grupos de pacientes saudáveis e portadores de doenças crônicas e essa evidência ficou clara.
Foram avaliados 2 grupos: pacientes saudáveis até os 65 anos; portadores de doenças crônicas antes dos 65 anos e analisado o grau de obesidade em ambos os grupos. Sete doenças crônicas: hipertensão, diabetes, câncer (pulmão, próstata, mama, colón, bexiga), doença pulmonar obstrutiva crônica (asma, bronquite), doença cardíaca, doença coronariana e derrame. Doenças crônicas claramente afetam a expectativa de vida e o custo individual com cuidados médicos. Os resultados demonstraram custos similares entre os grupos de pacientes saudáveis e os com doença crônica.
Os prováveis motivos são: o grupo de saudáveis, apesar de não possuir doenças crônicas até os 65 anos, após essa idade, a probabilidade de desenvolver alguma doença é concreta e, assim, a oneração dos custos com saúde se demonstra elevada. O grupo de saudáveis tem uma vida longeva e como após os 65 anos os custos de internação e medicamentos é bem maior, acaba aproximando os custos dos pacientes menos longevos que eram portadores de doenças crônicas, a exceção se dá quando comparamos pacientes obesos através da análise do Índice de Massa Corporal (IMC). Nesse caso, tanto o custo individual, quanto o global demonstraram-se bem maiores que todos os outros grupos.
No entanto, avaliar o custo exato em saúde, de qualquer doença, tem se mostrado uma tarefa muito difícil. Uma revisão sistemática realizada em conjunto pelo departamento médico da Universidade do Estado de Washington e o departamento de pesquisas econômicas da Universidade de Cambridge, avaliando 20 artigos recentes que analisaram o custo estimado da obesidade no sistema de saúde norte-americano demonstrou custos bilionários, porém, com variações grandes entre os estudos, visto que foram avaliadas variáveis diferentes. A mesma análise evidenciou que a despesa médica individual anual relacionada à obesidade nos EUA foi de $1901.00 dólares (variando entre $ 1239 /$ 2532), e global de cerca de $ 149.4 bilhões de dólares. Isso mesmo: $ 149.4 bilhões de dólares.
Em um país como o Brasil, onde quase metade da população está obesa, a prevenção da progressão desta doença parece ser o único caminho para não inviabilizarmos o financiamento da saúde pública ou privada. Sem contar que garantimos uma melhor qualidade de vida para parte significativa da população.
Cid Pitombo é médico, mestre e doutor em cirurgia, editor-chefe do Livro ‘Obesity Surgery: principle and practice’