Pesquisa avaliará impactos da Covid-19 no cérebro humano

Estudos com organoides cerebrais, chamados popularmente de minicérebros, foram essenciais para a identificação do Zika vírus como agente causador da microcefalia. Agora, os cientistas da Plataforma Científica Pasteur-USP (SPPU, na sigla em inglês) usarão esse mesmo modelo para investigar quais os possíveis danos cerebrais causados pelo novo Coronavírus, o SARS-CoV-2. Além dos organoides cerebrais, também serão usados neurônios corticais, ambos produzidos a partir de células-troco pluripotentes induzidas (iPSC, na sigla em inglês) – uma técnica que possibilita reprogramar uma célula adulta e recuperar suas propriedades de células-tronco.

“Ao ser manipulada em laboratório, a célula volta a ter comportamento embrionário e assim pode ser transformada em qualquer tipo de célula”, explica a bióloga Fabiele Baldino Russo, que realiza o estudo como pós-doutoranda na SPPU com projeto financiado pelo Institut Pasteur de Paris. Isso possibilita criar aglomerados celulares com a mesma estrutura e função de um cérebro. “Essas estruturas mimetizam muito bem o que ocorre nos tecidos humanos que enfrentam infecções”, acrescenta.

Os resultados da pesquisa deverão ajudar a compreender a patogenicidade e os mecanismos de infecção do SARS-Cov-2 no cérebro. Isso, porque há cada vez mais relatos clínicos de pacientes com Covid-19 com danos neurológicos – confusão mental, perda de paladar e olfato, convulsões, distúrbios motores e encefalite, por exemplo. “Alguns estudos realizados previamente por outros pesquisadores já mostraram que as células neurológicas são suscetíveis ao SARS-CoV-2. Meu objetivo é tentar descobrir o que acontece a partir daí”, afirma Russo.

Produção de minicérebros – O material biológico necessário à pesquisa está sendo obtido com dentes de leite cedidos por voluntários. A partir das células-tronco extraídas da polpa dentária, são produzidos in vitro os neurônios, em 2D, e os organoides cerebrais, em 3D, que depois serão infectados com o SARS-CoV-2. Desta forma, ela espera conseguir analisar em laboratório os tipos celulares mais afetados pelo vírus, bem como checar se houve morte celular.

“A proposta é entender a ação do SARS-CoV-2 nas células do sistema nervoso. Investigar, por exemplo, se o vírus afeta as sinapses dos neurônios ou mesmo destrói esses neurônios. Ou se os infectados serão mais propensos a ter a doença de Alzheimer no futuro, por exemplo.” A pesquisadora prevê que os primeiros resultados do estudo sairão no ano que vem.

Técnica revolucionária – A técnica iPSC (induced pluripotent stem cells) foi descrita em 2006 pelo médico japonês Takahashi Yamanaka – descoberta pela qual ele receberia seis anos mais tarde o prêmio Nobel na categoria Medicina e Fisiologia. A técnica revolucionou o campo da neurociência e passou a ser usada mundialmente para estudar, sobretudo, doenças que afetam o sistema nervoso. “Isso, porque é muito difícil conseguir fazer biópsia no cérebro humano para obter essas células”, explica Russo. Outra aplicação que avançou foram as testagens, em células, de medicamentos diversos.

No Brasil, umas das cientistas precursoras dessa técnica é a bióloga Patrícia Beltrão Braga, pesquisadora principal da SPPU, onde lidera o grupo dedicado à modelagem de doenças do sistema nervoso, o mesmo que Fabiele Russo atua. Professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, seu grupo de pesquisa foi responsável por provar a relação causal do Zika vírus com a microcefalia e por indicar a presença de neuroinflamação em astrócitos (tipo de célula do sistema nervoso) de autistas. Nesse último caso, a descoberta coube a Fabiele Russo, que à época fazia doutorado sob a orientação de Braga.

Na SPPU, a iPSC também será usada para para a triagem in vitro de drogas contra o Zika vírus. Em paralelo, serão produzidos organóides cerebrais a partir de células-tronco pluripotentes de ovinos ou caprinos, o que possibilitará avançar nos estudos que investigam os mecanismos de comprometimento cerebral nesses animais por Trypanosoma vivax. Trata-se do protozoário causador da tripanossomose, doença que causa diversos problemas de saúde no animal e pode levar à morte. Esses estudos serão realizados pela biomédica Ethiane Segabinazi, e pela bióloga Ana Paula Pessoa Vilela – bióloga, ambas pós-doutorandas na SPPU com projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Redação

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