As restrições de acesso aos hospitais, o contingenciamento de leitos para o tratamento da Covid-19 e o medo de pacientes em procurar ajuda médica em função da pandemia provocaram queda de 27 milhões de exames, cirurgias e outros procedimentos eletivos – não programados ou que não são considerados de urgência e emergência. É o que mostra um novo levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), que tem analisado os efeitos da crise sanitária instalada no Brasil desde março do ano passado.
Ao comparar o volume de atendimentos médicos registrados no Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS) e realizados entre março (primeiro mês da pandemia no Brasil) e dezembro de 2020 com o mesmo período do ano anterior, o CFM constatou a redução de pelo menos 16 milhões de exames com finalidade diagnóstica, 8 milhões de procedimentos clínicos, 1,2 milhão de pequenas cirurgias e 210 mil transplantes de órgãos, tecidos e células.
“Uma das medidas de enfrentamento à Covid-19, de reconhecimento nacional e internacional, foi a suspensão de procedimentos eletivos com o intuito de preservar equipamentos de proteção individual, preservar leitos e evitar o colapso do SUS e consequente desassistência a pacientes infectados pelo novo Coronavírus”, lembra Mauro Ribeiro, presidente do CFM. O desafio agora, avalia, é “preparar o Brasil para a retomada segura desses atendimentos”.
O impacto negativo nos atendimentos médicos nos ambulatórios da rede pública foi mais drástico durante os dois primeiros meses após a decretação de calamidade pública. Em abril e maio do ano passado, a pandemia baixou pela metade os atendimentos eletivos oferecidos pelas mais diversas especialidades médicas.
Mais afetados – Os procedimentos realizados por oftalmologistas, sobretudo consultas e exames de mapeamento de retina e aferição da pressão intraocular (tonometria), caíram de 18,5 milhões em 2019 (março a dezembro) para 12,2 milhões. Um déficit de pelo menos 6,3 milhões (-34%) entre os períodos analisados.
No ranking das áreas médicas mais acometidas (o SIA-SUS não utiliza a nomenclatura médica, mas a Classificação Brasileira de Ocupações), além da oftalmologia estão a radiologia, com redução de 5,4 milhões de procedimentos; a clínica médica (-2,8 milhões); e a radioterapia (-2,6 milhões).
Também figuram entre as dez áreas mais afetadas a anatomopatologa (-2 milhões); cardiologia (-992,6 mil); medicina laboratorial (-973,5 mil); citopatologia (698,7 mil), neurologia (-535,8 mil); e ginecologia e obstetrícia (-534,3 mil).
De modo geral, a consulta médica em Atenção Especializada foi o procedimento ambulatorial mais afetado pela pandemia: baixou de 8,3 milhões para 5,6 milhões – redução de 2,6 milhões de acolhimentos (-32%). Em segundo lugar na lista dos dez procedimentos com maior queda absoluta está a tonometria: quase 2 milhões de exames a menos.
Em termos percentuais, o impacto mais significativo foi observado nos exames de gasometria, muito utilizado para medir o pH e as quantidades de oxigênio e dióxido de carbono no sangue. Estes sofreram queda de 95% (-33,5 mil). Os atendimentos médicos em grupos de pacientes em Centros de Atenção Psicossocial também aparecem entre os procedimentos com maior queda percentual nos ambulatórios: 84%, com impacto negativo em aproximadamente 78 mil atendimentos.
Exames preventivos contra o câncer, por exemplo, também estão entre os que sofreram significativa queda no período. A mamografia bilateral para rastreamento, exame realizado nas duas mamas e muitas vezes vital para a descoberta precoce de um câncer de mama, passou de 3,2 milhões, entre março e dezembro de 2019, para 1,7 milhão no mesmo período de 2020.
O exame citopatológico cérvico-vaginal, o Papanicolaou, muito importante para o rastreamento de câncer de colo uterino, caiu pela metade na pandemia, passando de 2,3 milhões para 1,1 milhão.
Norte a Sul – De acordo com o levantamento do CFM, a redução nos procedimentos ambulatoriais – aqueles que não exigem a permanência do paciente na unidade de saúde por mais de 24 horas – afetou todas as Regiões do país. Em quantidade absoluta, o impacto foi mais significativo em São Paulo e Minas Gerais, com 5,7 milhões (redução de 24%) e 4 milhões (-31%) a menos, respectivamente.
Em termos percentuais, a diminuição mais sensível aconteceu em Alagoas e no Piauí, que aparecem com queda de 47% e 45%, respectivamente. Na contramão da tendência nacional, Distrito Federal e Amapá tiveram aumento no período: 65,6 mil (10%) e 28,7 mil (33%) procedimentos a mais.
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