Um estudo do International Suicide Genetics Consortium (ISGC), do qual o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) é colaborador, identificou dois pontos no genoma humano que podem aumentar o risco de uma pessoa tentar o suicídio. Publicado na revista científica Biological Psychiatry, a pesquisa consistiu em uma varredura genômica em cerca de 1 milhão de indivíduos com e sem transtornos psiquiátricos que tinham uma ampla avaliação de estados de saúde mental, e contou com a colaboração de mais de 260 pesquisadores ao redor do mundo. Foi a maior análise sobre comportamento suicida publicada até então.
Na avaliação primária, foram analisadas amostras de 30 mil indivíduos que tentaram ou cometeram suicídio e 520 mil controles. A partir disso, os pesquisadores encontraram duas associações que ultrapassaram um rigoroso limiar de significância. Essas associações envolvem uma variante genética intergênica no cromossomo 7, que ainda é pouco conhecida em termos de seu papel biológico, e outra no cromossomo 6, na região do MHC (Complexo Principal de Histocompatibilidade), local com muitos genes envolvidos na resposta imune, que já foi associado a transtornos psiquiátricos, como depressão e esquizofrenia.
“Depois, analisamos uma segunda amostra para verificar se os resultados se reproduziam em uma amostra de replicação – o que foi confirmado para a variante detectada no cromossomo 7. Esta envolveu 14 mil casos de tentativa de suicídio e 395 mil controles”, explica Diego Luiz Rovaris, coordenador do Laboratório de Genômica Fisiológica da Saúde Mental do ICB-USP e um dos colaboradores do estudo.
Segundo o pesquisador, embora o estudo tenha uma grande amostra, ela ainda é pequena para revelar toda a arquitetura biológica captada pelas variantes genéticas envolvidas no suicídio – que, como qualquer fenótipo psiquiátrico, é extremamente complexo. Ou seja, para dizer que determinado indivíduo tem predisposição biológica ao suicídio, existem diversos outros pontos no genoma que ainda precisam ser descobertos e analisados.
“Talvez precisemos de alguns milhões de casos e alguns milhões de controles para poder desvendar toda essa arquitetura, o que estimula ainda mais esse tipo de colaboração. O impacto de um único ponto no genoma é pequeno em termos de risco, mas grande em termos de insights sobre a biologia envolvida. No futuro, quando descobrirmos muitos pontos envolvidos, poderemos criar escores genéticos [medida agregada de efeitos de risco de variantes genéticas] para avaliar melhor quadros de predisposição”, esclarece Rovaris.
Relação com a depressão – Além da varredura genômica inicial, os pesquisadores cruzaram os dados para avaliar as relações biológicas com outros transtornos, como a depressão, com o objetivo de encontrar similaridades e particularidades. “Quando condicionamos os dois pontos do genoma relacionados ao suicídio, identificados no estudo, aos pontos associados à depressão, vimos que o que prevalecia era o do cromossomo 7. Isso indica que esse é um componente mais específico do comportamento suicida, que atua independentemente da depressão. Já a alteração no MHC parece ser mediada pela depressão ou outros transtornos psiquiátricos”.
Perspectivas – O pesquisador ressalta que este é apenas um dos primeiros passos na compreensão da biologia que envolve o suicídio, e que ainda são necessárias iniciativas como essa, cada vez maiores, para chegar a conclusões mais detalhadas. “Nós encontramos sinais, porém ainda não sabemos o que eles significam em termos funcionais. Essas pistas abrem uma janela de possibilidades para estudos futuros que irão esmiuçar o mecanismo biológico subjacente ao sinal revelado, explorando efeitos em experimentos com modelos animais e mini-cérebros reproduzidos em cultura, por exemplo”.
Estratégias de varredura genômica já foram empregadas em estudos sobre esquizofrenia e obtiveram um resultado importante para entender a neurobiologia da doença. Em 2009, o grupo de trabalho em esquizofrenia do Psychiatric Genomics Consortium (PGC) publicou um estudo com 3 mil casos e nenhum ponto encontrado no genoma. Em uma nova versão com 5 mil casos, em 2011, apareceram 5 pontos. “Ao longo dos anos, os números só cresceram. Já em 2014, com 37 mil casos analisados, foram encontrados 108 pontos do genoma relacionados ao transtorno. Com isso, o trabalho foi publicado na revista Nature e foi considerado o estudo da década pela área”, destaca o cientista.
Participação brasileira – A partir de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o ICB-USP, o grupo brasileiro colabora com os consórcios internacionais de pesquisa mais importantes da área, como o PGC e IMpACT (International Multi-centre persistent ADHD CollaboraTion). Aproximadamente 1.200 amostras de indivíduos do Rio Grande do Sul, amplamente avaliadas em termos de saúde mental, já fazem parte da contribuição brasileira. Entretanto, isso aumentará em breve com o início das coletas em São Paulo, a próxima meta da colaboração entre as duas instituições.
Além disso, o grupo está estabelecendo uma colaboração importante com a Universidade do Vale do Taquari (UNIVATES), no interior do RS, que tem como objetivo ampliar a pesquisa na área de suicídio que já é feita na UNIVATES. “Estudar o suicídio no Vale do Taquari é muito importante pois o Rio Grande do Sul é o estado com a maior incidência de suicídio no Brasil, apresentando o dobro da média nacional. O Vale do Taquari é uma microrregião do RS que contribui enormemente para essa incidência aumentada. Há muito a descobrir sobre essa região do ponto de vista social, ambiental e biológico”, aponta.
Rovaris acrescenta que a publicação de um estudo do ISGC, com participação de pesquisadores brasileiros, é importante para que o grupo aumente suas chances de conseguir financiamentos tanto no Brasil como no exterior e amplie sua área de atuação.