Aguardada há muitos anos por especialistas das áreas da cirurgia plástica, oftalmologia e ginecologia, entre outras, a decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) de liberar o uso da membrana amniótica para o tratamento de pacientes foi recebida com grande expectativa por médicos e profissionais de diversas áreas da saúde. Até então, o Brasil não possuía legislação regulamentando e autorizando a captação e o processamento de membrana amniótica, diferentemente dos demais países da América do Sul, EUA e vários países europeus.
De acordo com o parecer CFM nº 12/2021, de 21 de outubro, “o procedimento de uso da membrana amniótica nos pacientes queimados, nos pacientes com úlceras do “pé diabético” e com úlceras venosas de membro inferior, nos pacientes com aderências uterinas pós-histeroscopia e nos pacientes com certas afecções oculares encontra respaldo científico para ser aprovado como um procedimento não experimental, conforme determinado pela Resolução CFM n° 1.982/2012”. A normatização acerca da sua captação, preparo, conservação e utilização deverá obedecer à legislação vigente aplicada a outros tecidos já doados atualmente no Brasil e ao regramento sanitário para transplantes de órgãos e tecidos, que define os critérios de funcionamento dos bancos de tecidos e alocação gerenciada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT).
Para Eduardo Chem, coordenador do banco de tecidos da Santa Casa, “esta é uma conquista importante, pois amplia a gama de atendimentos a pacientes queimados. Em todo o mundo o uso da membrana amniótica já está normatizado, não fazia sentido não nos valermos de um recurso terapêutico tão importante”. O cirurgião plástico acrescenta que “hoje o Brasil conta com quatro bancos de tecidos (Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo) que produzem aproximadamente 200.000 cm² de pele anualmente, quantidade capaz de atender em torno de 250 pacientes vítimas de queimaduras extensas”.
Considerando que no Brasil, segundo estimativas oficiais, há aproximadamente um milhão de vítimas de queimaduras todos os anos, sendo que em torno de 1.000 pacientes apresentam queimaduras extensas e graves, necessitando de pele para o seu tratamento, a demanda nacional seria algo em torno de um milhão de cm²/ano, que poderia ser melhor atendida com uso da membrana amniótica, isso sem contar o uso da mesma em outras especialidades, como a oftalmologia e a obstetrícia.
Depois de coletada em cesarianas, com a sua devida autorização, a membrana amniótica humana passa por controle de qualidade rigoroso com relação à assepsia, evitando o risco de possíveis contaminações microbianas do tecido placentário. De fácil obtenção e grande disponibilidade, a um baixo custo, a membrana é o tecido avascular que compõe a parte mais interna do envoltório fetal, podendo ter múltiplos usos como opção de curativo biológico em diversas áreas da medicina, em especial no tratamento de queimaduras graves.
Segundo Chem, “o uso da membrana, assim como a pele, é determinante na regeneração de lesões cutâneas, como barreira física contra a invasão bacteriana, reduzindo a perda de fluidos corpóreos e proteínas, colaborando na diminuição da dor e estimulando a cicatrização. Além disso, é fundamental ressaltar a facilidade de obtenção e a alta disponibilidade do tecido, uma vez que a placenta é normalmente descartada no pós-parto, além de ser um momento oportuno para a abordagem das doadoras, já que é uma ocasião alegre para as mães”.
Mesmo com o parecer do CFM, ainda há uma etapa burocrática para o efetivo uso clínico da membrana amniótica. “Ainda dependemos da liberação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e da publicação de legislação por parte do ministério da saúde para uso do tecido, o que deverá ocorrer em um curto espaço de tempo”, finaliza Chem.
Histórico da liberação
2006 – A utilização de membrana amniótica em procedimentos médicos é legalizada pelo Parecer nº 174, de 16 de outubro de 2006 do CREMERJ, tendo apoio da SBCP e SBQ.
2017 – Conclui que a eticidade desse uso depende da doação e do consentimento maternos e da não cobrança do material (Nota Informativa Nº 106, DE 2017).
2017 – O projeto de regulamentação passou pelo Ministério da Saúde, escrito juntamente com a Senadora Ana Amélia Lemos, Ministério da Ciência e Tecnologia e Sistema Nacional de Transplantes (SNT) (STC nº 2017-00161).
2017 – O presidente Michel Temer assinou o decreto (18.out.2017) alterando as regras de doação de órgãos:
Art. 2º Fica instituído o Sistema Nacional de Transplantes – SNT, no qual se desenvolverá o processo de doação, retirada, distribuição e transplante de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano, para finalidades terapêuticas.
Art. 5º O Ministério da Saúde, por intermédio de unidade própria prevista em sua estrutura regimental, exercerá as funções de órgão central do SNT, e lhe caberá:
IV – Autorizar estabelecimentos de saúde, bancos de tecidos ou células, laboratórios de histocompatibilidade e equipes especializadas a promover retiradas, transplantes, enxertos, processamento ou armazenamento de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano.
2021 – CFM aprova o uso da membrana amniótica para tratamentos em outubro.