Alguns fatores têm contribuído para o aumento do número de empresas gestoras de hospitais, abrindo capital com elevados múltiplos de avaliação, culminando numa corrida pela consolidação do setor. Fatores macro como o aumento da expectativa de vida, o aumento da renda média familiar, o fraco serviço e leitos insuficientes do SUS, entre outros, contribuem para a atratividade desse mercado, que tem como principais players listados em bolsa a Rede D’Or, Mater Dei, e Kora Saúde. Interessante notar que o Brasil possui 2,4 médicos por mil habitantes, mesma taxa do Japão e próxima dos Estados Unidos (2,6), Canadá (2,7) e Reino Unido (2,8), mas ainda ocupa a 37ª posição no que tange aos gastos per capita na área de saúde, gap que espero ser estreitado nos próximos anos.
As empresas atuantes nesse segmento foram, em sua maioria, formadas por médicos que ao longo de décadas geriram as instituições como braços de suas práticas médicas, de forma que a profissionalização em geral foi tardia. É bastante comum encontrar hospitais, por exemplo, constituídos por sociedades de dezenas de médicos, com baixas margens operacionais, elevadas dívidas e passivos fiscais, enquanto as receitas e dividendos são mantidos nas pessoas físicas desses profissionais. Isso não significa que o negócio em si é ruim, mas apenas mal gerido. Isso é um prato cheio para empresas estruturadas realizarem aquisições, reestruturarem operações e capturarem um valor grande deixado na mesa pelos sócios antigos.
A fragmentação e ausência de gestão profissional (em escala adequada) também é uma tese interessante para fundos de private equity entrando no setor objetivando consolidação, como o caso da Athena Saúde do Pátria, fundada em 2017 com a aquisição do Grupo Med Imagem no Piauí, e uma série de aquisições desde então, cujo IPO (almejando R$ 2,5 bilhões de captação) que deveria ocorrer esse ano foi postergado para um futuro não muito distante.
A Rede D’Or (8.788 leitos), com IPO de R$ 11,4 bilhões (dez/20), realizou 17 aquisições desde 2010, e aparece como líder no setor, com receita bruta dos últimos 12 meses (base 2T/21) de R$ 20,1 bilhões (R$ 2,3 milhões/ ano/ leito) e EBITDA de R$ 5,2 bilhões (25,7%), com dívida líquida equivalente a 1,7x seu EBITDA.
A Mater Dei (646 leitos), IPO de R$ 1,4 bilhões (mai/21), iniciou sua estratégia de aquisições em julho/21 com a aquisição do Grupo Porto Dias (maior rede privada de hospitais da região Norte), por R$ 1,1 bilhões (R$ 800 milhões pagos com caixa). A Mater Dei teve nos últimos 12 meses (base 2T/21) de receita bruta de R$ 965 milhões (R$ 1,5 milhões/ano/leito) e EBITDA de R$ 249 milhões (25,8%), e em junho tinha caixa líquido de R$ 1,1 bilhões, o que deve reduzir para R$ 300 milhões com aquisição recente.
A Kora Saúde (1.096 leitos), que já havia adquirido 2 operações entre fevereiro e julho/2021, realizou seu IPO de R$ 770 milhões (ago/21) e anunciou as primeiras aquisições, ainda que tímidas, do hospital são Mateus em Fortaleza e do Instituto de Neurologia de Goiânia. A Kora teve nos últimos 12 meses (base 2T/21) Receita Bruta de de R$ 891 milhões (R$ 810 mil/ ano/ leito) e EBITDA de R$ 167 milhões (18,7%), e em junho/21 tinha dívida líquida equivalente a 10x seu EBITDA, alavancagem considerável que, considerando os recursos do IPO, caiu para 5,7x.
Quando olhamos para o Enterprise Value (valor das ações mais dívida líquida), temos a Rede D’Or avaliada em 28x EBITDA (R$ 16,4 milhões/leito), a Mater Dei avaliada em 26x EBITDA (R$ 10,1 milhões/leito) e a Kora avaliada em 40x EBITDA (R$ 6,1 milhões/leito). As avaliações (R$/leito) das empresas listadas superam múltiplas vezes o valor de aquisição por leito das empresas adquiridas, que em média, analisando as principais aquisições do setor desde 2010, foi de R$ 1,5 milhões por leito. A tese de consolidação parece fazer sentido, uma vez que, além dos benefícios da diluição de custos e ganhos de sinergia, tem como vantagem a arbitragem de múltiplos (comprar barato e “vender” caro). Os elevados múltiplos das listadas carregam uma expectativa do mercado, de aumento substancial do fluxo de caixa livre nos próximos anos, que precisa ser comprovado na prática, com a entrega de retornos sobre o capital investido pelos acionistas.
Comparando as 3 empresas, alguns pontos me chamam a atenção: (i) elevada alavancagem da Kora, que limita sua capacidade de crescimento com dívida. O crescimento via aquisição precisaria ser financiado com equity num possível follow on (nova emissão de ações), entretanto, o valuation da empresa já está consideravelmente superior às demais comparáveis, o que provavelmente forcaria uma captação com diluição maior dos acionistas atuais, ainda, sua Receita e EBITDA por leito são bem menores do que seus comparáveis; (ii) apesar de ser 20x maior que a Mater Dei, e possuir receita por leito também maior, a Rede D’Or tem EBITDA/Receita Bruta ligeiramente menor, o que me leva a conclusão que podem existir ainda sinergias a serem capturadas pela Rede D’Or em suas aquisições; e (iii) a Mater Dei possui caixa líquido, e possibilidade de alavancagem saudável, ou seja cerca de R$ 1,0 bilhão adicionais que lhe permitiriam adquirir cerca de 700 leitos adicionais (considerando os 388 leitos adquiridos recentemente, a empresa aumentaria em 157% seu número de leitos), que, considerando o “spread” entre o múltiplo atual e o múltiplo médio de aquisição do setor, podem gerar valor interessante.
Saliento alguns pontos de cautela: (i) os múltiplos de avaliação por leito adquirido tenderão a aumentar no futuro tornando as aquisições mais caras, (ii) os desafios da integração/ consolidação de operações, que não são fáceis, portanto, considerar com parcimônia os ganhos de sinergia; e (iii) levar em conta que o ano de 2021 foi favorável aos operadores hospitalares, dada a 2ª onda do Covid. Houve melhora dos resultados de curto prazo. Assim, assim recomendo uma análise mais detalhada, desconsiderando o efeito não-recorrente, para determinação do um fluxo de caixa de longo prazo, dado que o lucro por leito pode cair quando comparado com os últimos 12 meses. Note que os resultados das operadoras de planos de saúde (que são a contraparte dos hospitais), como Hapvida/GDNI/Bradesco/Sul América, tiveram queda abrupta nos lucros dos no mesmo período.
A presente análise foi realizada com informações disponíveis publicamente, não sendo recomendação de aquisição ou investimento. Avaliações bem mais aprofundadas se fazem necessárias afim de tomadas de decisão.
Estevão Seccatto Rocha é professor de Turnaround na FIA Business School. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (FEA/USP), tecnologia (Singularty University), mestrando (University of Liverpool). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), reestruturador de empresas pela KPMG e IVIX , diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia. Assessorou mais de uma centena de empresas