Com a morte do apresentador Gugu Liberato, uma questão frequentemente debatida na medicina veio à tona: “morte encefálica”.
O refere-se à completa e irreversível parada de todas as funções cerebrais e ainda compreende um desafio para os profissionais da saúde. Isso porque a equipe multidisciplinar deve ter uma boa compreensão dos eventos fisiopatológicos que surgem após a lesão cerebral grave.
Por a medicina e a própria sociedade estarem em constante evolução, a legislação brasileira sofreu atualizações recentes para que a morte encefálica seja identificada de maneira adequada. A Resolução n° 2.173/17 prevê uma série de critérios estipulados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), além de atender a lei n° 9.434/97, que regulamenta o transplante de órgão no Brasil.
A definição da morte encefálica foi fundamental para a política de transplantes. A questão é debatida entre a classe médica desde a década de 1950, quando surgiram os primeiros aparelhos capazes de prolongar a vida. Os avanços tecnológicos nas técnicas cirúrgicas levaram a uma maior segurança sobre o diagnóstico, acarretando o aumento do número de transplantes ao redor do mundo.
No Brasil, a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, destinados a transplante ou tratamento, deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e de transplante, frente à utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do CFM.
Em 2018 o país bateu recorde ao apresentar um crescimento de 7% do número de doadores de órgãos no país. Entre janeiro e junho foi registrado um aumento de 1.653 para 1.765 doadores. Segundo o Ministério da Saúde, foram cerca de 26 mil tecidos e órgãos transplantados. A média nacional de doações é de 17 partes por milhão da população.
Nesse contexto, a morte encefálica representa um grande desafio à equipe médica responsável, devido às chances do surgimento de distúrbios endócrinos, pulmonares e cardiovasculares, que podem comprometer a perfusão e boa oxigenação de órgãos como, por exemplo, rins, pâncreas e intestinos. Caso o problema não seja corrigido rapidamente, afeta a função do órgão a ser doado.
Morte encefálica e a legislação brasileira
Atualmente em vigor, a Resolução n° 2.173/17 estabelece que os procedimentos para a determinação da morte encefálica devem ser iniciados em todos os pacientes que apresentem coma não perceptivo, ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente.
Outro ponto abordado no regulamento refere-se ao quadro clínico do paciente. Este deve apresentar pré-requisitos como a presença de lesão encefálica de causa conhecida e irreversível, ausência de fatores que confundiriam o diagnóstico, tratamento e observação no hospital pelo período mínimo de seis horas, temperatura corporal superior a 35° graus e saturação arterial de acordo com os parâmetros estabelecidos. Em casos de crianças, o período de observação é maior.
Além de dois exames clínicos, realizados em tempos diferentes, por especialistas especificamente qualificados, em medicina intensiva adulta ou pediátrica, neurologia adulta ou pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência, o paciente também precisa ser submetido a um teste de apneia e a exames complementares como angiografia cerebral, eletroencefalograma ou cintilografia.
Esse cenário solicita que médicos interessados na área invistam em capacitação. Seguindo os critérios estabelecidos, será considerado qualificado aquele que apresentar, no mínimo, um ano de experiência com pacientes em coma, tenha realizado ou acompanhado pelo menos dez determinações de morte encefálica ou tenha feito um curso de capacitação.
Francisca Goreth M M Fantini é coordenadora Comissão de Exercício Profissional Academia Brasileira de Neurologia