A pandemia da Covid-19 impõe uma série de desafios para além do que vemos nos noticiários. Os números de contaminados e mortos, que cresce diariamente no Brasil, estampam as capas dos jornais e sites e roteirizam as escaladas dos telejornais. Não poderia ser diferente, afinal ainda não temos vacina e, até o momento, o único “remédio” é o isolamento social. Ou seja, o cenário ainda é preocupante, sem sombra de dúvidas.
Além do avanço da contaminação pelo novo coronavírus ainda crescente, outras curvas correm sério risco de se acentuar, caso não nos conscientizemos todos – médicos, poder público e privado e população: a do avanço do câncer. A saber, dados recém-divulgados pelas Sociedades Brasileiras de Patologia e de Cirurgia Oncológica apontam para 50 mil brasileiros que deixaram de ser diagnosticados desde o início da pandemia e outros milhares, já com tumores detectados, tiveram tratamentos suspensos.
É sabido que, por medo do contágio, falta de estrutura do sistema e desinformação, muitos pacientes perderam a chance de ter suas doenças diagnosticadas precocemente. Quando se tem uma doença em estágio mais avançado, é mais difícil de atingir a eficácia desejada. Além disso, no caso de pacientes já diagnosticados que podem ter seus ciclos de tratamentos atrasados, também aponta para um cenário de pouca efetividade de cura.
Coloco ainda outro cenário, o de pacientes que encerraram seus tratamentos recentemente e não estão sendo acompanhadas por seus médicos com consultas e exames na frequência necessárias. A recidiva da doença poderá ser mais agressiva.
No caso dos cânceres hematológicos com os quais atuo, sabemos que ainda demora-se muito para um diagnóstico preciso de mieloma, leucemia ou linfoma, por exemplo. Analisemos a seguinte situação: por medo da situação atual, os pacientes encontram diversas barreiras de acesso ao diagnóstico e, em outra ponta, podem desconsiderar a investigação de um caroço no pescoço, por exemplo. Peço para não façam isso: ao menor sinal de anormalidade, procure um médico!
Diante deste cenário, mesmo com o achatamento da curva, continuaremos convivendo com o vírus. Há ainda a possibilidade de relaxamento do isolamento social, que vem sendo discutida diariamente por especialistas e líderes, o que indica potencialmente uma segunda onda da Covid-19.
Por isso, para evitar um aumento exponencial e sem controle de outras doenças, como o câncer, é urgente que as esferas governamentais e privadas se atentem para a criação de estruturas livres da Covid-19 para continuidade dos tratamentos de doenças crônicas. É preciso acelerar a abertura dos leitos de hospitais de campanha para que alas terciárias possam retomar normalmente seus atendimentos.
Certamente esta é uma situação complexa, mas é mandatório olharmos para outras implicações do cenário atual. A atenção envolve todos os atores envolvidos, mas a responsabilidade final é dos gestores.
Angelo Maiolino é médico hematologista, Professor da UFRJ e Diretor da Associação Brasileira de Hematolo