Artigo – O valor da saúde

A busca pela mensuração de resultados no cuidado aos pacientes e apresentação de desfechos em saúde remonta ao início do século XX, quando Ernest Codman, médico cirurgião de Boston (EUA), publicou os primeiros trabalhos sobre a necessidade e importância de garantir a qualidade dos resultados das intervenções. Para cada paciente que tratava, Codman elaborava um “cartão de resultado final”, que continha a história atual, o diagnóstico inicial, o tratamento dado, a ocorrência de complicações, o diagnóstico de alta e o resultado um ano depois.

De lá para cá, tivemos marcos nos anos 1960, com as publicações do médico armênio-libanês Avedis Donabedian sobre as dimensões da qualidade do sistema de saúde (estrutura, processos e desfechos); e a criação do ranking US News – Best Hospitals na década de 1990, que trouxe os primeiros esforços para realizar benchmark entre hospitais. Também nos anos 2000, a publicação do livro “Crossing the Quality Chasm” iluminou este conceito, marcando a trajetória de qualidade e segurança por meio de um relatório a respeito da qualidade dos cuidados em saúde.

Mais recentemente, o conceito de valor em saúde tem evoluído de forma exponencial no cenário mundial, em função dos diversos desafios apresentados pela sociedade contemporânea, entre eles, o próprio aumento da população, seu respectivo envelhecimento e o desejo e a necessidade de acesso às novas descobertas.

O despertar para este conceito teve enorme contribuição do professor Michael Porter, após a publicação do livro “Repensando a Saúde”, em 2006, escrito em conjunto com Elizabeth Teisberg, propondo novas formas de atuação da cadeia de saúde que envolve pacientes, operadoras, profissionais de saúde, hospitais e prestadores complementares. Os autores estimulam a integração de todos os players de forma sistêmica, minimizando desequilíbrios e desperdícios, gerando assim mais valor aos pacientes. O objetivo é a competição baseada em valor, em que o paciente passa a integrar e utilizar um sistema de saúde de acordo com suas necessidades específicas e com resultados positivos para todos os envolvidos.

O paciente retoma seu lugar de protagonista como centro dos esforços de cuidado. Porter sugere um caminho de transformação do cuidado com base em seis elementos inter-relacionados: organizar suas unidades em práticas integradas, medir resultados e custos para cada paciente, mover os pagamentos para ciclos de cuidado, integrar os cuidados entre os serviços de saúde, expandir o acesso a serviços de excelência e, por fim, ter acesso à plataforma de tecnologia de informação que atue como facilitadora de todo processo.

O debate sobre o que significa valor para o paciente é uma mudança de paradigma que exige o deslocamento do atual ponto de vista dos atores envolvidos para uma nova perspectiva de negócio e de propósito. De forma alguma, é um conceito que busca a redução de custos por si só, mas propõe o uso racional e sistêmico dos recursos, a partir da aplicação de inteligência de dados, protocolos clínicos, avaliação da pertinência de cada caso, especificidade e integração dos prestadores, medição dos resultados esperados e alcançados, e a experiência do paciente durante toda a jornada.

Mudanças culturais são sempre desafiadoras, seja numa empresa ou em um país. No Brasil, assim como em diversos países, a implantação de mudanças nos modelos existentes não é uma tarefa trivial, pois requer planejamento e visão estratégica, repactuações comerciais de modelos tradicionais, serenidade institucional e diálogo transparente, sempre buscando evitar rupturas abruptas, dúvidas dos usuários e perdas potenciais para todos os envolvidos.

O fato é que não há um modelo de saúde perfeito e, por este mesmo motivo, vários modelos poderão coexistir neste cenário. Precisamos estar abertos à melhoria contínua de nossas práticas, entendendo que estamos inseridos em um mesmo tecido social e que o benefício de um pode e deve ser estendido para todos os elos da cadeia. Diversas instituições hospitalares já têm dado os primeiros passos na medição de seus desfechos clínicos e na melhoria de suas práticas, com investimentos significativos em escritórios de valor, controladorias clínicas e o uso de instrumentos reconhecidos internacionalmente, como o DRG – Diagnosis-Related Groups e o ICHOM – International Consortium for Health Outcomes Measurement. Infelizmente, este tipo de investimento requer recursos, que a maioria das instituições hospitalares não dispõem.

O CONAHP, principal evento do setor de saúde no país, tem como propósito conectar o segmento e seus participantes às demandas e desafios da sociedade contemporânea. Neste ano, nosso congresso ocorrerá em São Paulo, nos dias 26 a 28 de novembro, e terá como tema central a “Saúde baseada no Valor e o papel do hospital como integrador do sistema”. Será uma oportunidade ímpar para discutirmos a evolução do conceito e os próximos desafios do sistema hospitalar na promoção desta mudança.

 

 

Mohamed Parrini Mutlaq é presidente do CONAHP – Comitê Científico do Congresso Nacional de Hospitais Privados 2019 e CEO do Hospital Moinhos de Vento

 

 

 

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 97, de maio/junho de 2019. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-97-revista-hospitais-brasil

Redação

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