Tenho visto nas redes sociais, na imprensa e até mesmo no dia a dia médico, muitos obesos se opondo à ideia de que a obesidade seja uma doença e alegando estarem bem de saúde, com índices de colesterol, triglicerídeos e glicose em níveis considerados saudáveis, com a pressão controlada e sem problemas em articulações.
Pois bem, é preciso que a população entenda que ao estabelecer a obesidade como uma doença por si só, a Organização Mundial de Saúde quis alertar para o fato de que acumular gorduras a mais no organismo é a doença. Ou seja, muitas pessoas possuem genes que a levam a reter mais gorduras, mesmo que elas façam uma ingestão calórica similar a de outros indivíduos que estão magros. Como exemplo do que explico: é comum, numa mesma família, o marido ou a esposa, estar muito mais gordo do que o companheiro, mesmo sendo a alimentação deles quase a mesma. E outras também são mais predispostas a buscar uma ingestão maior de alimentos. Todos esses precisam controlar mais a alimentação.
E o que se pretendia com essa classificação? Acabar de vez com o estigma que sempre recaiu sobre os obesos, sobretudo os grandes obesos, chamados de mórbidos, que eles se encontram na situação de gordos porque comem muito mais do que os outros, porque apenas ingerem alimentos altamente calóricos e porque não fazem atividade física com a intensidade ou frequência que deveriam.
Eu acompanho obesos mórbidos há mais de 20 anos e afirmo com certeza absoluta que não basta somente mudar a alimentação e passar a fazer exercícios. A maioria que faz essa mudança de peso ao chegar em meu consultório desejando operar, consegue em seis meses perder no máximo 10% do peso. Alguns chegam a 20%. Muitos não conseguem sozinhos superar essa luta. Há hormônios envolvidos nos processos de estímulo à fome e também à saciedade, além do armazenamento energético que cada organismo faz.
A genética vai muito além. Ao se submeter, por exemplo, a uma cirurgia bariátrica, o que ocorre na verdade, é que o obeso mórbido ganha uma nova chance de se relacionar com o seu corpo, entendendo a fundo como ele funciona. Ele passa a ter maior consciência de que precisa controlar a sua comida e exercitar a sua atividade física, porque sabendo de antemão que ele engorda com mais facilidade, passa a fazer tudo diferente do que fez a vida toda.
É claro que ao retirar ou separar parte do estômago e do intestino, o bariatricado passa a produzir menos hormônios que atuam na fome e há aumento do estímulo para a produção do hormônio da saciedade, e isso faz muita diferença. Na verdade , os quatro mecanismos principais envolvidos na cirurgia são: comer menos pois a capacidade de volume de alimento do estômago diminui; sentir menos fome, porque o hormônio da fome diminui muito sua produção; absorver menos calorias, pois ao desviarmos cerca de metade do intestino, terá menos área para absorver os alimentos; se sentir saciado mais rápido, pois como o alimento pega um desvio, chega mais rápido no final do intestino e é ali que são liberados os hormônios que nos dão saciedade.
Depois da cirurgia, a mudança continuará por conta de todas essas mudanças proporcionadas no corpo e também com a força de vontade, com conhecimento sobre a boa nutrição, com tratamento psicológico para evitar se acalmar ou se alegrar apenas com a ingestão de comidas e bebidas mais saborosas. É um começar de novo. Adotar uma vida que antes não teve chance porque não sabia talvez que o seu corpo tinha um gene altamente prejudicial e que ele teria que ter um estilo de vida muito diferente.
É preciso que todos entendam que doenças como câncer, acidente vascular cerebral, infarto, depressão, artrose, diabetes e hipertensão, entre tantas outras, acometem também os mais magros, mas aparecem com maior incidência entre os mais gordos, e sobretudo quando a idade avança. Classificar a super obesidade como mórbida, ou seja, doentia, jamais foi para estigmatizar, judiar ou entristecer o público afetado. Foi para gritar por ajuda, por apoio, ou seja, tratamento mais acessível a todos. É urgente mudar como lidamos com a obesidade. E essa luta tem que ser encabeçada pelos mais afetados. Eles precisam entender e aceitar suas necessidades, deficiências e limitações, em vez de se acostumarem com elas. Porque um dia a conta pode chegar, e pode ser tarde demais. Muitas coisas podem ter deixado de ser vividas e conquistadas. Eu vejo vidas sendo completamente transformadas após o emagrecimento. Todos deveriam ter essa chance.
Cid Pitombo é médico Ph.D. em tratamentos para obesidade e cirurgião bariátrico