Em tempos atuais, mesmo com a difusão de informações cada vez mais veloz, o câncer de mama ainda continua cercado de estigmas e marcado por uma longa história de luta. Quando escutamos sobre essa patologia, o que ainda vem à mente da maioria das pessoas diz respeito a histórias penosas de mutilação, dor física e emocional, perda de funções na sociedade, alteração de autoimagem e autoestima.
Diante de tantas memórias populares de trajetórias difíceis percorridas, com os avanços nos tratamentos atuais, é chegada a hora de mudarmos nosso olhar. Nesse sentido, além do diagnóstico precoce, o “Outubro Rosa” vem também com a missão de transformar nossa visão carregada de sofrimento para uma que possa acolher e certificar de que existem perspectivas e desfechos extremamente favoráveis em relação ao acompanhamento e tratamento dessa neoplasia.
Com isso, é preciso desvendar alguns mitos e barreiras, para que as boas notícias relacionadas à doença possam ficar mais evidentes. Então, faz-se necessário lembrar que o câncer de mama, apesar de ser o segundo mais frequentemente diagnosticado no mundo (o primeiro em mulheres) e a maior causa de morte por câncer na mulher, vem apresentando queda gradual na taxa de mortalidade no mundo desde 1970. Vidas são salvas diariamente quando há diagnóstico e tratamento precoces, de modo que o índice de cura pode superar 90%, dependendo do caso.
Além disso, é importante ficar claro que a maioria das mulheres tem baixo risco para desenvolvimento do câncer de mama ao longo de toda a vida (menos de 15%, se atingir idade de 90 anos). As pacientes consideradas de alto risco correspondem a cerca de 10% dos casos e são as que, primordialmente, têm a doença diretamente relacionada a fatores pessoais e familiares genéticos. Ademais, ter algum fator de risco definitivamente não significa a certeza no desenvolvimento do câncer. Conhecê-lo, porém, ajuda na prevenção, no rastreamento precoce e nas medidas preventivas.
É preciso salientar, porém, que o risco pode ser modificado por fatores demográficos, ambientais e de estilo de vida. Assim, também, podemos intervir de maneira assertiva e alterar a chance do surgimento da patologia. Por exemplo, a obesidade (IMC>= 30 kg/m2) está associada ao aumento do risco na pós-menopausa. Isto é resultado da maior conversão periférica nas células de gordura do estrógeno, um dos maiores estímulos ao desenvolvimento da neoplasia de mama. Baseado nesse racional biológico, terapias de reposição hormonal também aumentam o risco. Além disso, o consumo de álcool e o tabagismo também são associados à doença.
Por outro lado, é importante também conhecermos os fatores que ajudam a diminuir o risco: a amamentação, uma vez que pode atrasar o restabelecimento dos ciclos ovulatórios e, desta forma, diminuir o estímulo hormonal para o desenvolvimento do câncer; a prática de atividades físicas; e perda de peso e dietas com baixos níveis de gordura.
Outra boa notícia é que o câncer de mama pode ser identificado muito precocemente por métodos de rastreamento populacional por meio da mamografia. É recomendado por boa parte das sociedades médicas que seja realizada anualmente, a partir dos 40 anos de idade. É o melhor exame para identificar lesões suspeitas quando as mesmas ainda não são nem palpáveis ao exame físico ou autoexame. Vale ressaltar que apenas cerca de 15% das mulheres vão apresentar em uma das mamas uma nodulação (caroço) palpável, reforçando a importância da mamografia.
Após a detecção de uma alteração ao exame físico e/ou através da realização de imagem, deverá se proceder com biópsia guiada por agulha da lesão suspeita. Esse é o único procedimento capaz de confirmar a malignidade. Cerca de 70% a 80% dos cânceres de mama são do tipo carcinoma ductal invasivo e 8% carcinoma lobular invasivo; as demais histologias são raras.
O diagnóstico anatomopatológico dará início ao tratamento especifico, por uma abordagem multidisciplinar. Os principais pilares são: cirurgia, quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia. Pacientes com doença inicial beneficiam-se de cirurgia primária seguida de avaliação de tratamento complementar, chamada de “adjuvante”, para auxiliar na diminuição do risco de recidiva e aumentar a sobrevida. Em mulheres com lesões maiores, localmente avançadas, inicia-se o tratamento de maneira inversa, com os antineoplásicos antecedendo o tratamento cirúrgico.
A cirurgia oncológica da mama nem sempre é do tipo mastectomia, em que se retira toda a mama. Na maioria dos casos, resseca-se apenas o quadrante/setor acometido pela doença. Além disso, mesmo nos casos de mastectomia, a reconstrução é feita no mesmo ato cirúrgico, diminuindo o impacto emocional, assim como transtornos de autoimagem relacionados.
É importante, durante o ato cirúrgico, realizar a avaliação dos linfonodos regionais axilares através da pesquisa do linfonodo sentinela, em que o mesmo é retirado e avaliado instantaneamente quanto à presença ou não de células neoplásicas malignas. Evidenciando-se apenas um a dois linfonodos acometidos, não é necessário seguir com o esvaziamento linfonodal axilar, de modo que este procedimento, assim como suas sequelas, como o linfedema de membro superior, são cada vez menos frequentes.
Posteriormente ao tratamento cirúrgico, características do tumor (expressão de receptores hormonais ou fator de crescimento epidermal HER2), do paciente, assim como suas preferências, e do código genético, serão levadas em consideração na escolha do melhor tratamento medicamentoso adjuvante. Na presença de fatores de alto risco para recidiva de doença, como tumores de alto grau, maiores de 2 cm, com envolvimento linfonodal ou alto risco genético, há benefício confirmado em sobrevida da associação de quimioterapia ao tratamento.
Hoje em dia, existem inúmeras formas de manejar eventos adversos dos tratamentos, com bom controle de sintomas, de maneira a manter a paciente com uma rotina e qualidade de vida o mais próximo do normal possível. Antieméticos potentes e modernos para evitar náuseas e vômitos e toucas térmicas para resfriamento de couro cabeludo e prevenção de queda capilar durante a quimioterapia, são exemplos de estratégias nesse sentido.
Existem mais de 32 milhões de sobreviventes de câncer ao redor do mundo e é esperado que esse número cresça com a melhora dos métodos de rastreamento, aumento da expectativa de vida após tratamento e envelhecimento da população. Dentre as mulheres, o câncer de mama corresponde a maior parte (44%) das sobreviventes. Que esses números, assim como o Outubro Rosa de 2021, possam acolher e confortar as mulheres, diminuir o medo que permeia essa doença e estimular o autocuidado e o cuidado de quem se ama.
Dra. Fernanda Proa é oncologista do Vera Cruz Hospital, de Campinas (SP)