Embora muitas vezes subestimemos nossa capacidade de cheirar em comparação com nossas habilidades de ver e ouvir, nosso sentido olfativo fornece ao nosso cérebro informações críticas, desde a detecção de perigos potenciais, como fumaça, até o reconhecimento do cheiro doce de biscoitos assados.
Não apenas um declínio no olfato pode prever sua perda de função cognitiva, mas também pode prever mudanças estruturais em regiões do cérebro, importantes na doença de Alzheimer e na demência.
As descobertas, baseadas em um estudo longitudinal de 515 idosos, publicado em 2 de julho no Alzheimer’s & Dementia: The Journal of the Alzheimer’s Association, podem levar ao desenvolvimento de testes de olfato para detectar comprometimento cognitivo mais cedo em pacientes.
“Este estudo fornece outra pista de como um rápido declínio no sentido do olfato é um indicador do que vai acabar ocorrendo estruturalmente em regiões específicas do cérebro”, disse o autor sênior Jayant M. Pinto, professor de cirurgia na Universidade de Chicago e especialista em otorrinolaringologia que estuda doenças olfativas e sinusais.
Estima-se que mais de 1 milhão de brasileiros tenham a doença de Alzheimer, que é caracterizada por perda de memória e outros sintomas, como alterações de humor e problemas para realizar tarefas cotidianas. Não há cura para essa doença, mas alguns medicamentos podem aliviar temporariamente seus sintomas.
A memória desempenha um papel crítico em nossa capacidade de reconhecer cheiros, e os pesquisadores sabem há muito tempo de uma ligação entre o sentido do olfato e a demência. As placas senis e emaranhados neurofibrilares, que caracterizam os tecidos afetados pela doença de Alzheimer, geralmente aparecem em áreas olfativas e associadas à memória antes de se desenvolverem em outras partes do cérebro. Ainda não se sabe se esse dano realmente causa o declínio do olfato de uma pessoa.
Os pesquisadores queriam ver se era possível identificar alterações no cérebro que se correlacionassem com a perda de olfato e função cognitiva de uma pessoa ao longo do tempo. “Nossa ideia era que as pessoas com um olfato em declínio rápido ao longo do tempo estariam em pior forma – e mais propensas a ter problemas cerebrais e até mesmo a própria doença de Alzheimer – do que as pessoas que estavam diminuindo lentamente ou mantendo um olfato normal”, disse um dos pesquisadores.
A equipe aproveitou dados anônimos de pacientes do Projeto Memória e Envelhecimento da Universidade Rush (MAP), um grupo de estudo iniciado em 1997 para pesquisar condições crônicas de envelhecimento e doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer. Os participantes do MAP são idosos que vivem em comunidades de aposentadoria ou residências para idosos no norte de Illinois e são testados anualmente quanto à capacidade de identificar certos cheiros, função cognitiva e sinais de demência, entre outros parâmetros de saúde. Alguns participantes também realizaram uma ressonância magnética.
Os cientistas da UChicago Medicine descobriram que um rápido declínio no olfato de uma pessoa durante um período de cognição normal previu várias características da doença de Alzheimer, incluindo menor volume de massa cinzenta nas áreas do cérebro relacionadas ao olfato e memória, pior cognição e maior risco de demência nestes idosos. Na verdade, o risco de perda do olfato era semelhante ao de carregar o gene APOE-e4, um conhecido fator de risco genético para o desenvolvimento da doença de Alzheimer.
As mudanças foram mais perceptíveis nas regiões olfativas primárias, incluindo a amígdala e o córtex entorrinal, que é uma importante entrada para o hipocampo, um local crítico na doença de Alzheimer.
“Conseguimos mostrar que o volume e a forma da massa cinzenta nas áreas olfativas e associadas à memória do cérebro de pessoas com rápido declínio no olfato eram menores em comparação com pessoas que tinham declínio olfativo menos grave”, disse um dos autores.
Uma autópsia é o padrão-ouro para confirmar se alguém tinha Alzheimer. Os pesquisadores esperam eventualmente estender essas descobertas examinando o tecido cerebral em busca de marcadores de Alzheimer. A equipe também quer estudar a eficácia do uso de testes de olfato em clínicas – de maneira semelhante à forma como os testes de visão e audição são usados - como meio de triagem e rastreamento de idosos em busca de sinais de demência precoce e desenvolver novos tratamentos.
Os testes de olfato são uma ferramenta barata e fácil de usar que consiste em uma série de varetas com aparência semelhante a canetas de feltro. Cada bastão é infundido com um aroma distinto que os indivíduos devem identificar a partir de um conjunto de quatro opções.
“Se pudéssemos identificar pessoas na faixa dos 40, 50 e 60 anos que correm maior risco desde o início, poderíamos ter informações suficientes para inscrevê-las em ensaios clínicos e desenvolver medicamentos melhores”, disse um pesquisador.
O estudo foi limitado, pois os participantes realizaram apenas uma ressonância magnética, o que significava que a equipe não tinha dados para identificar quando as mudanças estruturais nos cérebros começaram ou a rapidez com que as regiões do cérebro encolheram.
Fonte: Rapid olfactory decline during aging predicts dementia and GMV loss in AD brain regions, Alzheimer s & Dementia (2022). DOI: 10.1002/alz.12717
Rubens de Fraga Júnior é professor de Gerontologia da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (FEMPAR) e é médico especialista em Geriatria e Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG)