Um dos temas mais discutidos nestes quase dois anos de pandemia é a utilização da telemedicina e sua regulamentação para ser praticada no Brasil. Mesmo antes da Covid-19, com os avanços tecnológicos, o assunto já era pauta entre profissionais, empresas, entidades e governo. Mas, mudanças andavam a passos lentos até o vírus aparecer, exigir esta transformação e mostrar seus benefícios para a população. Agora, no mercado de saúde, já ouvimos periodicamente de temas como jornada híbrida e Phydigital.
Mas, antes de entrarmos nesses novos temas, é importante entendermos e regulamentarmos a telemedicina, uma vez que ela é a principal e uma das mais importantes ferramentas da transformação digital em saúde. E, para pensarmos em seu futuro, é preciso conhecer o passado.
A história da telessaúde acompanha a evolução humana em busca de conectar as pessoas com necessidades de cuidado aos prestadores de cuidado, uma vez que ela consiste simplesmente numa ferramenta para conexão entre o provedor e o receptor do cuidado quando os mesmos não podem estar no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Por isso, você pode rastrear os primeiros relatos relacionados à telemedicina desde a criação do telégrafo em 1792 e posteriormente do rádio em 1896. A telemedicina como a conhecemos foi pioneira em 1960 entre os militares e a medicina aeroespacial mas, somente agora, com o desenvolvimento e abrangência das tecnologias de comunicação e sua popularização, a população também passa a nomear um atendimento à distância como “telemedicina” e a ter cada vez maior acesso a ela.
No início, a prática era baseada em projetos piloto ou bem localizados baseados em interconsultas, ou seja, consultas entre médicos com a presença de um paciente ou não. Em Portugal, a prática acontece nesse modelo desde os anos 2000. Outros países começaram ainda antes, como o Canadá que começou a implementar a utilização de tecnologia em saúde por volta da década de 50, como a Itália na década de 70, e os Estados Unidos, onde as regulamentações já são bastante avançadas.
Mas se engana quem pensa que somente os países desenvolvidos vinham neste movimento. Olhando para nosso próprio Brasil, a telessaúde acontece há mais tempo do que imaginamos. Primeiros relatos de uma operação de Tele-Cardiologia nos hospitais UniCor e Hospital do Coração vem da década de 80. Posteriormente, entre os anos de 1994 e 2000, tivemos uma evolução tímida, até que no ano 2000 diversas operações de saúde pública já se utilizavam de ferramentas digitais, tendo, inclusive, a nossa primeira telecirurgia numa parceria entre o Hospital Sírio Libanês e o Hospital John Hopkins (Baltimore, EUA).
Toda a evolução da telessaúde no Brasil e pelo mundo nos remete a características extremamente importantes em nosso contexto nacional: vivemos em um país de grandes dimensões, desigualdades e cenários muito diferentes e, por consequência, pessoas dependentes do mesmo sistema de saúde – e das mesmas regulamentações – vivendo em situações geográficas, financeiras e sociais totalmente diferentes. Por isso, ao falar de acesso à saúde, a telemedicina aparece em um lugar de grande destaque. E isso é o certo, uma vez que é uma das modalidades com maior capacidade de garantir uma maior igualdade no acesso à saúde em todo território nacional.
Para mostrar a importância da discussão: Já pararam para pensar quanto custa o deslocamento de um paciente da população ribeirinha no norte do país, por exemplo, aos grandes centros para atendimento? A variação pode ser de R$ 30 mil a R$ 50 mil. Quanto do valor gasto nesses grandes deslocamentos está tirando a possibilidade de investirmos em mais tratamentos para pacientes da rede pública? E se em cima disso ainda pudéssemos implementar por meio do teleatendimento, nestes locais de difícil acesso, uma Atenção Primária à Saúde de qualidade, que consegue fazer a primeira triagem e resolver até 80% dos casos? Será que só com o uso dessa nova ferramenta já não estaríamos garantindo uma melhor saúde para nossa população ao mesmo tempo que geramos uma economia de verba para ser utilizada em novos projetos que muitas vezes são negados por falta de orçamento?
A discussão não acabará tão cedo. Aguardamos uma regulamentação final, levando em consideração a necessidade de todas as pessoas no território nacional. Por enquanto, a falta de clareza nesse âmbito deixa profissionais e pacientes de mãos atadas.
Quando paro para pensar no futuro da telemedicina no Brasil, acredito que precisamos dar esses dois passos atrás e olharmos para a estrutura e a necessidade do sistema de saúde e trabalharmos juntos para uma regulamentação adequada vinda por meio da união de todas as partes – órgãos reguladores, dos profissionais de medicina, do governo e das entidades – levando em mente que o mais importante é a necessidade do paciente, e, no Brasil, ele é bastante diverso e todos devem ser contemplados.
Mônica Pugliese é coordenadora médica de telemedicina na Amparo Saúde