Brasil tem potencial para atingir a 10ª posição mundial em estudos clínicos

O Brasil possui a 6ª maior população do mundo, o 7º maior mercado farmacêutico e ocupa a 24ª posição em participação em estudos clínicos, correspondendo a apenas 2,13% da produção total mundial (245 estudos), segundo relatório encomendado pela Interfarma e Abracro, em julho 2019, com a colaboração da Aliança Pesquisa Clínica Brasil e IQVIA. “Em um cenário de protagonismo científico, o país tem potencial para subir para a 10ª posição no ranking e atingir 4,8% (548 estudos) de participação nesse mercado. Assim, teríamos um acréscimo de 55 mil pacientes beneficiados, de 48 mil profissionais envolvidos, de R$ 5 bilhões em atividades econômicas por ano e de R$ 2 bilhões em investimentos diretos anuais em relação ao cenário atual”, explicou Ana Elisa Miller, diretora Institucional da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro). Ela abriu o Foro Inteligência, realizado na noite de ontem e que teve como tema “A ideologização da Ciência e os impactos na pesquisa científica”.

Para Ana Elisa, o principal entrave para isso acontecer é o tempo regulatório muito longo praticado no país, desde a submissão até a aprovação final (cerca de 250 dias, contra 32 nos Estados Unidos e 113 na Argentina). “Por isso é importante apoiar e aprovar o Projeto de Lei 7082/17, que vai permitir a harmonização dos princípios e diretrizes que norteiam a pesquisa clínica no Brasil, dando mais celeridade, fluidez e transparência aos pareceres. Além disso, será possível definir melhor as responsabilidades de cada ator, dar respaldo jurídico aos estudos e manter a análise ética mais apurada das pesquisas que envolvem humanos”, afirmou.

Entre os pontos positivos da pandemia da Covid-19 para o Brasil, a representante da Abracro destaca o aumento do conhecimento e da conscientização da população em relação aos estudos clínicos; o incremento do uso da tecnologia nas pesquisas e no tratamento da doença; maior celeridade nas revisões e aprovações regulatórias; diminuição da burocracia; aumento da colaboração entre indústrias, governos e cientistas, visando alternativas terapêuticas para a pandemia e, principalmente, o protagonismo e a credibilidade de instituições públicas como a Agência de Vigilância Sanitária, a Fiocruz e o Instituto Butantan. “Os pontos negativos foram sem dúvida, a avalanche de fake news; as teorias da conspiração por parte do governo; as ideologias políticas que tentaram se sobressair à Ciência e o sensacionalismo praticado por alguns veículos de imprensa que só causaram pânico”, analisou.

Segundo a diretora da Anvisa, Meiruze Sousa Freitas, apesar do impacto da pandemia na rotina da agência, a Anvisa buscou sempre pautar os seus temas e ações com a agilidade que uma pandemia requer, dentro do debate técnico, aliada às principais autoridades internacionais e à comunidade científica. “O histórico e o respeito regulatório construído pela Anvisa, nesses 22 anos, não prejudicou a condução de estudos clínicos no Brasil e nem a apresentação de processos para que kits diagnósticos, equipamentos médicos, medicamentos e vacinas fossem autorizados com rapidez e responsabilidade. Isso mostra que as instituições ligadas ao sistema público de saúde permaneceram fortes, independentes do governo e atentas à pauta das políticas públicas do Brasil”, ressaltou.

Meiruze Freitas lembra que a Anvisa teve que aprender, da noite para o dia, a se comunicar, ir até a imprensa e mostrar seu trabalho. “Fomos chamados para participar de fóruns de discussão que nem imaginávamos fazer parte. Isso mostra que a tecnicidade e o conhecimento da agência são fundamentais no processo de se posicionar a favor da Ciência e da regulação. E não podemos esquecer o importante papel das universidades públicas no estudo e aprovação de itens importantíssimos no tratamento da Covid-19, como os equipamentos de proteção individuais (EPIs) e os ventiladores respiratórios, mesmo sem incentivo financeiro”, disse.

Para o médico e doutor em Virologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e da Univeristy of Texas Medical Branch, Maurício Nogueira, neste período, não houve ideologização da Ciência. “Ocorreu, sim, uma polarização na interpretação de resultados e na criação de falsas pesquisas, que não podem ser chamadas de estudo sério, pois não cumprem o método científico. Esse processo teve como palco as redes sociais, que propagaram fake news, com ajuda de cientistas que agiram como anticientistas por vaidade, dinheiro ou fama”. Ele destacou que a única forma de rebater esse fenômeno é usando a comunicação. “Os cientistas sérios têm de estar disponíveis para disseminar a boa informação, ressaltando que, neste momento, o mais importante a ser feito é vacinar a população africana e de outros países com baixa cobertura”.

O médico endossou a opinião das diretoras da Anvisa e da Abracro. “A pandemia exaltou o protagonismo da Ciência, trazendo credibilidade, conscientização e notoriedade. “Ficou claro para a sociedade que o mecanismo de pesquisa é eminentemente público, e as universidades precisam ser apoiadas e mantidas como fomentadoras de estudos e pesquisas. O Brasil tem um potencial enorme para crescer nessa área, pois alcançou nível de excelência técnica, porém muito calcado no espírito colaborativo e no esforço individual de algumas instituições”, concluiu.

O Foro Inteligência é uma parceria entre o BRICS Policy Center e a Insight Comunicação. E o intuito dos encontros é ampliar o debate sobre assuntos estratégicos e manter aberto um canal de comunicação com os países emergentes – Rússia, Índia, China e África do Sul -, tratando de temas de amplo interesse. São curadores do Foro, os professores Christian Lynch, IESP-UERJ e editor da revista Inteligência, Paulo Esteves e Marcio Scalercio, professores do IRI-PUC e pesquisadores do BRICS Policy Center.

Em eventos anteriores, o Foro Inteligência contou com a participação de Octavio de Lazari Jr., presidente do Bradesco; Rubens Ricupero, diplomada e ex-ministro; Conrado Hubner, professor de Direito na USP; e Jacqueline Muniz, cientista política e professora da DSP/UFF; em encontros que trataram, respectivamente, sobre os desafios dos grandes bancos, a diplomacia da vacina, a politização nas Supremas Cortes e controle da ação policial em democracias.

Redação

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