As células HEK 293 (células de rim de embrião humano, em português) fazem parte de uma linhagem celular amplamente utilizada em pesquisas. Essas células foram cultivadas e multiplicadas em laboratório na década de 1970, após serem obtidas de um feto abortado legalmente na Holanda. Elas são facilmente modificadas por engenharia genética, dando origem a diferentes tipos de células. As células HEK 293 foram modificadas para serem eficientes na produção de proteínas recombinantes. Essa tecnologia possibilita inúmeras aplicações em pesquisa, permitindo identificar, por exemplo, como uma determinada substância interage com células específicas do organismo – seja do rim, intestino, pulmão, coração etc.
Em um estudo do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), a pesquisadora Samira Bernardino Ramos do Prado utilizou uma linhagem derivada de HEK, a TLR HEK-Blue™, para descobrir como a pectina, fibra do mamão papaia, pode interagir com as células do intestino através do estudo com receptores chaves específicos. As células HEK-Blue™ são programadas para expressar receptores como os TLR’s e NOD’s, que são expressos em células intestinais. Em experimentos complementares, Prado identificou efeitos anticancerígenos, mostrando que a pectina é capaz de inibir a proliferação de células tumorais. Em testes em ratos, a fibra inibiu o surgimento de lesões pré-neoplásicas.
Na fase in vitro da pesquisa, desenvolvida na Holanda, o objetivo era estudar os receptores do tipo TLR e NOD. Esses receptores interagem com substâncias presentes no intestino e modulam o sistema imunológico. Cada célula HEK-Blue™ expressava um único receptor – assim, era possível verificar o efeito da pectina sobre cada um. “Quando um desses receptores é ativado – ou seja, quando uma molécula se liga a ele e ativa a cascata posterior -, isso induz a produção da substância NF-κB, que desempenha um papel importante na modulação do sistema imune. Nós vimos quais receptores a pectina ativava ou bloqueava”, explica.
As pectinas do mamão maduro, que têm um tamanho molecular menor, interagem ativando esses receptores. Já as pectinas do verde, que são maiores, ativaram alguns TLR mas bloquearam outros. Quando acontece o bloqueio, a interação com os receptores ocorre, mas não há produção de NF-κB e, consequentemente, não há a ativação do sistema imune por esta via. Já a ativação do receptor “acende” um alerta para esse sistema. Segundo a pesquisadora, isso poderia explicar por que a pectina do mamão maduro apresentou um efeito benéfico contra as células de câncer, mas ainda são necessários mais experimentos para comprovar essa relação.
Em pesquisas brasileiras, o uso de células HEK ainda não é muito comum – todas são produzidas por empresas estrangeiras de biotecnologia, necessitando de importação, além de precisarem ser mantidas em uma temperatura específica. O transporte é feito em gelo seco (-78°C) e o armazenamento em nitrogênio líquido (-196°C).