Da pré-concepção ao envelhecimento saudável, Medicina Genética impacta todo ciclo da vida

Um evento que, ao celebrar 20 anos da publicação da primeira sequência do genoma humano, trouxe atualização sobre temas em Genética Médica para médicos, profissionais da saúde, formadores de opinião, pacientes e familiares. O ‘Fórum Ciclo da Vida – encurtando o tempo até o diagnóstico para a vida ganhar mais tempo’, foi realizado em setembro pela Igenomix, laboratório de biotecnologia especializado em Reprodução Assistida e Doenças Genéticas.

Participaram do Fórum o médico geneticista Roberto Giugliani, coordenador geral da Escola Latino-Americana de Genética Humana e Médica, professor do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro titular da Academia Brasileira de Ciência; a médica geneticista Dafne G. Horowitz, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); a geneticista Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE) e chefe do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo e o oncogeneticista Rodrigo Guindalini, da Oncologia D’Or. A programação inclui a participação do empresário Antoine Daher, criador e presidente da Casa Hunter.

A mediação foi da biomédica e geneticista Márcia Riboldi, CEO da Igenomix Brasil e Argentina e doutora em Ginecologia e Obstetrícia pela Universidade de Valencia (Espanha). Os temas centrais foram Planejamento Familiar e Diagnóstico Intrauterino, Triagem neonatal e Teste do Pezinho, Genética do Câncer, Genética nas diversas fases da vida adulta e Envolvimento da família. Houve também depoimentos de familiares de pacientes com doenças genéticas.

Estima-se que 6% a 8% da população mundial de 7,8 bilhões de pessoas são afetadas por alguma doença genética, sendo que ao menos 4 entre 10 pacientes recebem um diagnóstico errado ao menos uma vez, complicando seus quadros clínicos. A boa notícia é que a Medicina Genética dispõe de conhecimento para oferecer agilidade, personalização e precisão no diagnóstico e tratamento destas doenças. Um conhecimento que, no entanto, ainda não chegou a uma grande parcela dos profissionais de saúde. No Brasil, são mais de 10 milhões de pessoas acometidas por alguma doença genética. São pacientes que, em média, levaram sete anos para receber o diagnóstico correto. “O conhecimento acumulado desde 2001 não foi acessado ou absorvido por uma grande parcela dos médicos e profissionais da saúde. A nossa missão, com a realização do Fórum, foi disseminar conhecimento sobre as ferramentas disponíveis pela Medicina Genética capazes de impactar a população em todo o ciclo da vida”, destaca a biomédica e geneticista Márcia Riboldi.

Grupos de risco, prevenção e aconselhamento genético – Para as cerca de 8 mil doenças raras descritas – cerca de 80% delas genéticas – há tratamento efetivo para um pouco mais de uma centena delas, observa a médica geneticista Dafne Horowitz. As terapias disponíveis são principalmente para pacientes com doenças metabólicas (com reposição enzimática), assim com terapias desenhadas para agir em alvos/marcadores moleculares e genéticos específicos. Dentre as áreas que mais usufruem desses avanços estão a Pediatria, Neurologia, Oncologia, Ginecologia e Cardiologia.

A especialista analisa que as novidades da Genética Médica, por beneficiar os pacientes de algumas doenças raras, são mais efetivas quando associadas à programas de prevenção, de diagnóstico precoce e de aconselhamento genético, de tal forma que seja delimitado o risco de cada paciente. “É importante o paciente ter acesso ao geneticista em todo o ciclo da vida. O cuidado pode começar no diagnóstico pré-implantação. A Medicina Reprodutiva e a Genética, trabalhando juntas, podem mudar o curso natural das doenças genéticas, melhorando a qualidade de vida para os pacientes”, afirma Dafne Horowitz.

Alguns critérios apontam quem está no grupo de risco e, desta forma, orientam a realização de aconselhamento genético na fase gestacional. Os principais são:

– Idade materna avançada (gravidez com 35 anos ou mais), com risco maior de a criança nascer com anomalia cromossômica, como síndrome de down. O risco, nestes casos, chega a 0,5%;
– Bebê anterior nascido com má formação. Más formações ocorrem em 2% a 3% dos nascidos vivos e muitas das causas são multifatoriais. Com diagnóstico precoce, uma parcela delas é prevenível;
– Casais consanguíneos (primos). Além da consanguinidade, é importante investigar a ancestralidade, etnia e, sendo identificado algum potencial risco, encaminhar preferencialmente antes da gestação;
– Mulheres com diabetes, lúpus, fenilcetonúria e distrofia miotônica também estão em grupo de risco e devem procurar um geneticista;
– Os casos de bebê natimorto (quando a morte ocorre ainda no útero) ou neomorto (nos primeiros dias de vida) também devem ser encaminhados para investigação de potenciais causas genéticas.

Teste do Pezinho – Além da triagem pré-concepcional e teste no sangue materno, no início do ciclo da vida é essencial também a realização de Triagem Neonatal (teste do Pezinho e cuidado a ele associado). Este programa, criado em 2001, contemplava seis doenças: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, síndromes falciformes, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase. Em maio deste ano, foi sancionada a Lei nº 14.154, que amplia para mais de 50 o número de doenças rastreadas pelo Teste do Pezinho no SUS.

O programa de Triagem Neonatal consiste em diagnosticar e orientar as famílias. Para uma doença ser inserida neste contexto, explica o médico geneticista Roberto Giugliani, é necessário haver um tratamento efetivo. “Além disso, é necessário que o teste ocorra na fase pré-clínica, ou seja, antes que o paciente apresente sinais”, ressalta. Um exemplo é o hipotireoidismo congênito, doença que regride com tratamento de reposição hormonal.

O Teste do Pezinho é uma simples coleta de amostra de sangue do calcanhar do bebê. A estimativa é que 7 entre 10 casos de doenças raras se manifestam na infância, sendo que 72% delas são de origem genética. Por sua vez, embora 80% das crianças nascidas no Brasil fazem o Teste do Pezinho no SUS, segundo o Ministério da Saúde, menos da metade (45,5%) fez o teste na faixa etária ideal em 2019.

Mutações que apontam para maior predisposição e para alvos terapêuticos – Estima-se que entre 5% e 10% dos casos de câncer são associados com alguma síndrome hereditária que predispõe o paciente a um maior risco de desenvolvimento da doença. Estes pacientes apresentam mutações germinativas (falhas em determinados genes que são herdadas ao nascimento). Painéis ampliados que investigam as mutações germinativas podem identificar os pacientes que estão em maior risco de desenvolver algum tipo de câncer ao longo da vida e, com isso, ser beneficiado por um rastreamento mais frequente ou cirurgias redutoras de risco (retirada preventiva de determinado órgão).

A investigação também pode ocorrer a partir de amostra de DNA retirada diretamente do tumor. Neste caso, pode ser identificado um potencial marcador terapêutico (alteração genética para a qual foi desenvolvida uma terapia-alvo), o que se configura em medicina de precisão. “Na Oncologia, portanto, o teste genético é importante em todos os cenários: prevenção em pacientes com maior predisposição, diagnóstico precoce e medicina personalizada antes, durante e após o tratamento. A genética médica faz parte da rotina do oncologista clínico”, afirma o oncogeneticista e oncologista clínico Rodrigo Guindalini.

Doença genética em adultos – Algumas doenças genéticas, como a Doença de Huntington, ocorrem já na fase adulta. Uma condição hereditária na qual as células nervosas do cérebro se rompem com o passar do tempo, a Doença de Huntington costuma se manifestar, com mais frequência, entre os 30 e 40 anos e os principais sinais são perda de movimentos, de raciocínio e distúrbios psiquiátricos.

A Doença de Huntington (DH) é hereditária autossômica dominante e degenerativa provocada por uma alteração genética, no gene HTT. O diagnóstico pode ser feito a partir do histórico familiar, características clínicas (fenótipo) e pelo teste genético de expansão em HTT. Embora não tenha cura, o paciente pode ter melhor qualidade de vida com tratamento multimodal, que inclui medicamentos, fisioterapia e psicoterapia.

Ao identificar manifestações clínicas que possam ser decorrentes de alguma alteração genética, é importante encaminhar o paciente para o geneticista, que poderá solicitar o sequenciamento do genoma. “O importante é ser solicitado o teste genético mais adequado para cada caso”, afirma a geneticista Lygia da Veiga Pereira.

A busca pelo diagnóstico do filho – O empresário Antoine Daher, criador e presidente da Casa Hunter, compartilhou a jornada para o diagnóstico de uma doença rara em seu filho. Foram necessários três anos para, em 2009, descobrir que o filho tinha pé torto congênito. A demora ocorreu mesmo a criança indo ao pediatra quinzenalmente. Este e outros depoimentos de pacientes, também trazidos no Fórum Ciclo da Vida, reforçam a importância da atualização de médicos e profissionais da saúde quanto aos avanços da Genética Médica.

LIVE QUE ANTECEDEU FÓRUM CICLO DA VIDA DISCUTIU A IMPORTÂNCIA DA GENÉTICA MÉDICA SER ACESSÍVEL NO SUS

A live ‘Diagnóstico das doenças raras e câncer hereditário no SUS’, organizada pela Igenomix como prévia do Fórum Ciclo da Vida, abordou os potenciais caminho para ampliar o acesso à Medicina Genética. De acordo com Diego Miguel, médico geneticista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor médico da Igenomix Brasil, o cenário ideal é oferecer testes genéticos a todos que tenham indicação clínica baseada em suas características clínicas e histórico familiar (acompanhado de consultas de aconselhamento), assim como acesso aos painéis ampliados de genes que investigam a predisposição para doenças (como câncer hereditário, por exemplo), além de diagnosticar precocemente ou predizer resposta a determinados tratamentos. “Quando formos todos capazes de oferecer isso, saberemos que a medicina de precisão será sinônimo de equidade”, vislumbra.

Dentre os desafios está o fato de os sintomas de doenças genéticas, muitas vezes, se confundirem com os de outros doenças. Para que o diagnóstico diferencial seja possível, aponta a médica geneticista Têmis Maria Felix, é fundamental repensar a grade dos cursos de medicina. “A maioria das faculdades de medicina do Brasil não têm o ensino de genética no curso clínico. Se faz urgente mudar esse cenário. Os médicos e profissionais da saúde precisam conhecer as doenças genéticas, como identificar os pacientes e para quem e para onde encaminhá-los”, afirma Têmis Felix, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM).

A especialista conta que a SBGM realiza ciclos de capacitação para profissionais de saúde da Atenção Básica, com o propósito de orientá-los para que reconheçam os sinais e sintomas dos pacientes com doenças raras. “É na Atenção Básica que o paciente vai pela primeira vez e esse profissional precisa estar capacitado para reconhecer os pacientes e encaminhá-los ao serviço especializado”, explica.

Por sua vez, acrescenta a presidente da SBGM, há apenas 19 serviços habilitados em doenças raras no Brasil (nenhum na região Norte, por exemplo) e a maioria está nas capitais. “Precisamos de mais serviços e mais bem distribuídos, que façam o diagnóstico e manejo dos pacientes”, conclui Têmis Felix.

A live também contou com a participação da advogada Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, que completou 20 anos. A missão da ONG é acolher o paciente e sua família, além de orientar como ter acesso ao tratamento, incluindo a indicação dos melhores especialistas disponíveis no SUS. “Queremos que o paciente e seus familiares tenham uma jornada facilitada, com acesso, acolhimento e qualidade de vida”, explica Amira.

Câncer hereditário: quem deve receber indicação de teste genético – Em suas falas na Live, o geneticista e head de Oncogenética do A.C.Camargo Cancer Center, José Cláudio Casali da Rocha, destacou o quanto seria custo-efetivo oferecer painéis amplos, em um único exame, para identificar pacientes com maior predisposição para desenvolvimento de câncer associada a uma herança genética. No entanto, embora alguns painéis de genes sejam oferecidos na Saúde Suplementar, não há ainda um teste disponível no SUS.

“O teste é simples, feito pelo sangue ou saliva. A tecnologia de sequenciamento genético está com o custo caindo a cada dia e está se mostrando factível estudar a genética de todos que têm indicação clínica. Inclusive, isso já é protocolo em câncer de ovário e de intestino”, comenta Casali.

O especialista elencou os principais critérios para indicar um teste genético em Oncologia:

– Três pessoas (de 1º ou 2º grau, do mesmo lado da família) com diagnóstico de câncer
– Dois casos de câncer na família, sendo um deles antes dos 50 anos
– Um caso em idade jovem ou um caso em que o paciente tenha desenvolvimento mais de um câncer

Personagens que contextualizam as histórias – A live, que foi mediada pelo jornalista e doutor em Ciências com ênfase em Oncologia, Moura Leite Netto, também contou com a participação da jornalista Martha San Juan França, pesquisadora da área de divulgação científica, mestre e doutora em história da ciência pela PUC-SP e coautora do livro O Legado dos Genes.

Martha falou sobre o desafio de contar as histórias de pacientes com doenças genéticas de forma jornalística e não sensacionalista. “Temos o privilégio de ser jornalista e de não ser especialista. Com isso, devemos ter a humildade de entender melhor o que é aquela doença e o que o paciente está sentindo. A ideia de trazer personagens é muito importante e muitos jornalistas fazem muito bem, principalmente aqueles que têm empatia com o personagem”, destaca Martha.

O ‘Fórum Ciclo da Vida – encurtando o tempo até o diagnóstico para a vida ganhar mais tempo’ e a live ‘Diagnóstico das doenças raras e câncer hereditário no SUS’ podem ser assistidos, na íntegra, em www.igenomix.com.br/forum-ciclo-da-vida-igenomix.

Redação

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