Por Carol Gonçalves
Conhecida por sua gestão inovadora, Denise Soares dos Santos realmente faz a diferença no setor de saúde. CEO da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo desde 2013, sempre atuou com grande foco em liderança, olhando para as pessoas como parte importante do processo de desenvolvimento. Foi a primeira mulher a comandar uma rede de hospitais no Brasil, em 2008. Em maio último, recebeu o Prêmio Executivo de Valor 2018, na categoria Saúde, promovido pelo jornal Valor Econômico, uma das mais respeitadas publicações sobre Economia e Negócios do país. Em seu discurso, na ocasião, destacou sua crença, e da BP, em fazer do Brasil um lugar melhor. Nesta entrevista, ela detalha sua trajetória profissional e os avanços à frente da instituição, além de analisar questões importantes de saúde pública, como PPP e medicina preventiva. Denise também aborda sua vida pessoal e mostra como alinha discurso e prática em tudo que faz.
Conte rapidamente sua trajetória até chegar à liderança da BP.
Comecei minha trajetória profissional em 1988, como estagiária na Siemens, dois anos antes de me graduar em Engenharia Elétrica na FEI – Faculdade de Engenharia Industrial, e lá permaneci por 18 anos. Por volta do ano 2000, dei o meu primeiro grande salto de carreira, assumindo toda a divisão para projetos de redes móveis da Siemens no país. Depois, assumi a divisão de telefonia celular da empresa, onde eu tinha o importante desafio de desenvolver o varejo no Brasil. Ou seja, migrei de um segmento B2B para um segmento B2C. Porém, minha primeira experiência como CEO foi em 2005, quando a Siemens decidiu vender a divisão que eu liderava para a BenQ, uma companhia tailandesa na área de eletroeletrônicos. Eles me convidaram para ser CEO dessa nova empresa, que por dois anos carregou a marca Siemens Mobile, e eu aceitei. Depois desse tempo, a empresa decidiu encerrar as operações no Brasil e, pela primeira vez, eu conduzi um processo de road show, de venda de companhia. Em 2008, surgiu o convite para ser CEO do Hospital e Maternidade São Luiz. Era um projeto bastante interessante e que jamais havia me passado pela cabeça. E lá, pela segunda vez, fui responsável pelo processo de venda dos ativos de uma companhia, dessa vez para a Rede D’Or. Depois desse período, atuei como consultora no Grupo RBS e assumi a posição de CEO da empresa francesa Teleperformance, até ser convidada, em 2013, para impulsionar a renovação da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, uma das instituições mais tradicionais do país. Vale ressaltar que esse processo de renovação já vinha ocorrendo antes da minha chegada, conduzido pelo Rubens Ermírio de Moraes, que assumiu como diretor presidente da BP em 2009. Ele foi o responsável por essa primeira onda de modernização.
Como avalia sua gestão até agora à frente da BP?
Eu posso enumerar três grandes desafios que me foram colocados ao vir para a BP. O primeiro deles foi promover a saúde financeira (recuperação do Ebitda), que há alguns anos estava negativo. Essa, sem dúvida alguma, foi nossa prioridade e, por isso, fizemos um plano estratégico de curto prazo (três anos), pelo qual implantamos um modelo de gestão por projetos de forma a promover rapidamente as mudanças necessárias para que esta casa voltasse a ter eficiência e gerasse o tão esperado resultado positivo. Com isso, nosso Ebitda saltou de R$ 70 milhões negativos, em 2013, para R$ 100 milhões positivos, em 2017. O segundo desafio foi o de recuperar e reposicionar a instituição no mercado, de forma a ocupar a posição de destaque que já havia tido no passado e que, certamente, tinha condições de voltar a ocupar, como um polo de saúde privado de relevância e de excelência dentro da cidade de São Paulo. Foi um projeto discutido por 18 meses e que culminou com a apresentação de uma nova marca e identidade visual para o mercado. Nós criamos uma marca institucional (BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo) e submarcas para nossos serviços: Hospital BP, referência de alta complexidade, pronto-socorro geral e corpo clínico especializado para clientes de planos de saúde e particulares; BP Mirante, hospital que oferece um corpo clínico renomado, pronto atendimento privativo, hotelaria personalizada e cuidado intimista para clientes particulares e de planos de saúde premium; BP Essencial, hospital que oferece acomodações compartilhadas para clientes de planos de saúde básicos e particulares; BP Hospital Filantrópico, que oferece cuidado humanizado e eficaz para clientes regulados pelo Sistema Único de Saúde (SUS); BP Medicina Diagnóstica, um completo e atualizado centro de diagnósticos e de terapias, que oferece exames laboratoriais, de imagem, métodos gráficos e de todas as outras especialidades diagnósticas; BP Vital, uma rede de clínicas e consultórios de diversas especialidades médicas que atua de forma integrada com os demais serviços da BP; BP Educação e Pesquisa, tradicional formadora de profissionais de saúde por meio de cursos técnicos e de pós-graduação, residência médica, eventos científicos e é responsável por gerenciar mais de 100 estudos e pesquisas na área da saúde com o intuito de contribuir para a evolução da medicina no país. O terceiro desafio, tão importante quanto os demais, é atuar para garantir os próximos 150 anos da BP: olhar com atenção para o modelo de governança da instituição de forma a garantir a perenidade da associação. Embora no momento estejamos bastante envolvidos com este último tema, não descuidamos dos demais em momento algum. Uma instituição do porte da BP requer, anualmente, cerca de R$ 150 milhões em investimentos, destinados à modernização de infraestrutura, contratação de profissionais e compra de equipamentos, por exemplo. Por isso, é constante a atenção à eficiência operacional e a busca por um resultado financeiro saudável que permita nos mantermos atualizados. Da mesma forma, o trabalho de reposicionamento da instituição no mercado não se encerrou no momento em que apresentamos a nova marca. Pelo contrário, esse foi o primeiro passo de um processo que se estenderá por vários anos, sempre envolvendo toda a estrutura da organização.
Como foi sua experiência como presidente do Hospital e Maternidade São Luiz?
Eu fui chamada para começar um novo ciclo de profissionalização na empresa. Assim como aqui na BP, também promovemos uma transformação de sistemas para automatização de processos, com níveis diferenciados de lideranças. Foram três anos de um trabalho muito intenso. Ao final do primeiro ano e meio, decidiu-se, inicialmente, pela expansão da rede. Porém, um acordo dos acionistas direcionou para a venda do hospital. Acho que a venda do São Luiz, uma bandeira forte aqui em São Paulo, para uma companhia do Rio de Janeiro – a Rede D’Or –, marcou o começo da consolidação do setor hospitalar no país. Por isso, eu considero que ingressar nesse segmento foi bastante enriquecedor, porque me trouxe desafios bastante diferentes daqueles com os quais eu estava acostumada na área de tecnologia. Migrar para a área da saúde foi um privilégio, porque meus objetivos profissionais e de vida estão muito alinhados com o propósito maior desse setor, que é oferecer cuidado às pessoas.
Como ser engenheira ajuda em suas atribuições?
Mais do que ser engenheira, minha experiência passada em 18 anos de Siemens se deu em diversas áreas: logística, vendas, produtos, serviços, implantações de projetos, finanças, estratégia e marketing. Isso me trouxe uma experiência importante de processos, controles e metodologia de projetos. Sem dúvida, o lado racional e lógico da engenharia ajuda muito na hora de planejar a implantação de um novo projeto, mas experiência em liderança foi o que mais contou, como o engajamento de pessoas e a definição de propósitos comuns. Tivemos muitos projetos com foco em processos aqui na BP como, por exemplo, a implantação do Lean Six Sigma no centro cirúrgico, trazendo mais eficiência e produtividade, quase nos moldes de uma indústria. Mas também tivemos projetos de desenvolvimento de lideranças, de produtos e novas estratégias comerciais. Assim, ter vivenciado várias áreas me deu um bom repertório de entendimento do todo.
Qual o atual momento da BP?
A BP alcançou um patamar de autossuficiência financeira. Conseguimos potencializar as nossas receitas, investimos em infraestrutura e na modernização do parque tecnológico, como na aquisição do sistema de cirurgia robótica no BP Mirante, nosso hospital premium. Tivemos, ainda, um importante avanço digital ao implementar o sistema de prontuário eletrônico, garantindo maior segurança nas tomadas de decisões médicas e mais qualidade no atendimento prestado aos nossos clientes, e já estamos trabalhando num projeto para conseguir extrair o melhor dos dados gerados por esse sistema. Mas como diz um dos nossos valores, estamos sempre em movimento. Temos planos concretos de expansão e, em breve, anunciaremos novidades nesse sentido.
Qual a importância dos hospitais privados hoje para a saúde pública?
Não dá para pensar em saúde pública no Brasil sem envolver as instituições privadas. O SUS, do ponto de vista conceitual, é reconhecido mundialmente. Porém, a implantação do modelo requer um esforço conjunto dos vários atores envolvidos na assistência à população, e as entidades privadas não podem (e não devem) ser excluídas desse processo. É fundamental que iniciativa privada e pública caminhem juntas na busca de soluções que tragam ao país um incremento de acesso ao sistema de saúde. As instituições privadas que realizam filantropia, como a BP, podem colaborar muito para o sistema pela oportunidade que têm de levar toda a expertise e o know how do universo privado para as instituições públicas, capacitando gestores e profissionais, ajudando a rever modelos de gestão, facilitando a incorporação de novas tecnologias, enfim, contribuindo para transformar a saúde pública do Brasil.
Fale sobre o custo da saúde atual e a responsabilidade das pessoas com a própria saúde.
O custo da saúde atual é alto e vai continuar a subir. De acordo com o Iess – Instituto de Estudos de Saúde Complementar, a despesa de planos de saúde com assistência deve alcançar R$ 283 bilhões em 15 anos. Esses valores estão relacionados ao aumento da expectativa de vida da população, à ineficiência de alguns segmentos e até mesmo à negligência das pessoas em relação à própria saúde. Por isso, em minha opinião, para resolver essa conta é preciso ter a coparticipação do indivíduo nesse processo, seja por meio da adoção de bons hábitos, seja por meio do uso consciente do sistema de saúde. Fizemos dois pilotos aqui na BP que já estamos colocando no mercado e que visam a estimular a redução do custo por meio da prevenção e da promoção de saúde. Há três anos, criamos o nosso Núcleo de Saúde do Colaborador, um modelo de ambulatório corporativo para atender os nossos 7,5 mil colaboradores, com foco em saúde primária. Esse colaborador passa a ser cuidado por um médico, que acompanha a evolução de sua saúde, sendo capaz de resolver uma série de problemas. Caso tenha de passar por uma internação hospitalar, será dentro da própria BP, onde todo o ciclo de cuidado é monitorado para garantir que ele tenha o atendimento necessário. Só de fazermos essa gestão integrada tivemos, nos últimos dois anos, 20% de ganho da sinistralidade, além do aumento no nível de satisfação do colaborador. Todo esse aprendizado colocamos à disposição das empresas, oferecendo um cuidado assertivo e de qualidade. Com essa expertise acumulada, já estamos com o produto formatado à disposição do mercado. Num momento de custos de saúde extremamente relevantes para as empresas, é um produto muito vendável. Um outro exemplo é o BP 360 – Gestão Integrada de Saúde, por meio do qual atuamos em parceria com os planos de saúde para oferecer uma solução que integra a rede de serviços, coordenando todo o cuidado de saúde de um grupo de indivíduos e oferecendo toda a infraestrutura da BP e nossos parceiros. O produto tem o médico como ator principal do cuidado e um sistema que consolida informações, o que permite agir proativamente, além de incentivar o autocuidado. Isso resulta no aumento da satisfação do cliente, cria uma relação de confiança, além da diminuição de desperdícios e internações. Para nós, representa um olhar para o que chamamos de 4P na Medicina: saúde integral personalizada, participativa, preventiva e preditiva.
Quais diferenciais você acredita que a mulher agrega às corporações que lidera?
Aqui na BP nós acreditamos na competência e na diversidade. Por isso, tomamos a decisão de criar no primeiro nível executivo uma heterogeneidade de profissionais bastante abrangente, trouxemos pessoas de segmentos distintos e não só da área da saúde. Nessa turma de primeira linha, 40% são mulheres, o que também já é difícil de encontrar em outras empresas de qualquer segmento. Hoje, no primeiro nível de gestão temos profissionais com idade variando de 37 a 67 anos. Temos gerações, mercados distintos, homens e mulheres coexistindo. Os resultados estão aí e são ótimos, pois cabeças diferentes trazem discussões mais sofisticadas e, portanto, soluções mais criativas.
Como é sua rotina diária?
Considero minha rotina bem simples. Antes de ir para BP, vou para a academia logo cedinho, das 6h às 7h da manhã. Fico na BP até por volta das 19h e vou para casa. Quando estou no hospital, busco passar a maior parte do tempo com as pessoas, pois o que posso fazer sozinha, com o meu computador, e aquilo que eu não preciso estar no escritório, posso fazer de casa (e isto invariavelmente acontece). Eventualmente, eu trabalho aos fins de semana, porque essa é uma peculiaridade do setor. A gente precisa estar disponível 24 horas por dia, 365 dias ao ano. Por isso, tanto eu como todos os meus executivos estamos sempre conectados e atentos a tudo que acontece.
O que costuma fazer em seus momentos de lazer?
Jogo tênis de duas a três vezes por semana; gosto de andar de bicicleta e faço academia. Leitura é algo que me encanta – eu gosto de ler sobre tudo.
Como mescla sua vida pessoal com a profissional?
Eu consigo conciliar adequando os meus horários. Como saio cedo de casa, não consigo ver meu filho nem meu marido pela manhã. Por isso, saio do trabalho por volta das 19h e procuro ficar com meu filho até 21h30, que é a hora em que ele vai dormir. Além disso, estamos juntos todos os finais de semana e, sempre que possível, viajamos.
Quais seus planos para o futuro?
Pensando em futuro, primeiramente quero um dia acordar e saber que toda a inovação e transformação da BP foi concluída com sucesso. Que a BP estará pronta para mais um século de vida, pelo menos. Além disso, tenho a intenção de continuar contribuindo para o desenvolvimento das empresas atuando como conselheira. Quero voltar a dar aulas na FGV – Fundação Getulio Vargas, instituição na qual já fui professora.
Quais os valores que norteiam a sua vida?
É engraçado, pois quando falo de valores, mesmo os pessoais, imediatamente me vêm à cabeça três dos seis valores da BP: Credibilidade se Cultiva, pois não adianta cobrarmos atitudes éticas e corretas se não somos os protagonistas dessas ações; Colaboração Nos Leva Mais Longe, afinal, dificilmente conseguimos grandes resultados sozinhos, mas em conjunto é certo de que iremos muito mais longe; e, para arrematar, Faz Bem Fazer o Bem, já que é fundamental termos algum propósito para nos dedicar, pois, independentemente da causa, faz bem à alma. Discurso e prática alinhados sempre, num contexto ético incondicional.
Conteúdo originalmente publicado na Revista Hospitais Brasil edição 93, de setembro/outubro de 2018. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-93-revista-hospitais-brasil