Cerca de 22,8 mil novos leitos de internação – aqueles destinados a quem precisa permanecer num hospital por mais de 24 horas – foram habilitados nos últimos meses pelo Sistema único de Saúde (SUS) em todo o Brasil para atender pacientes confirmados ou com suspeita de infecção por Covid-19. Segundo informações apuradas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), é a primeira vez, em pelo menos dez anos, que esse tipo de infraestrutura volta a aumentar no país.
Para a autarquia, no entanto, o aumento, que está diretamente relacionado à situação de pandemia, tende a oferecer aos brasileiros que dependem do SUS uma retaguarda provisória e temporária. Com o fim da pandemia, a expectativa é de que estes leitos, muitos deles nos chamados hospitais de campanha, voltem a ser desativados – a exemplo do que já tem sido constatado em estados como Pernambuco, São Paulo e outros.
“Por anos alertamos sobre essas distorções. Enquanto os gestores – ao longo de diferentes governos – seguiam fechando leitos, milhares de brasileiros aguardavam, e ainda aguardam, na fila do SUS para realizar uma cirurgia eletiva, por exemplo”, lembra o presidente do CFM, Mauro Ribeiro. Segundo ele, a abertura de novos leitos seria um passo importante rumo ao equilíbrio entre a capacidade de atendimento e a necessidade daqueles que dependem do SUS.
Na sua avaliação, espera-se que essa medida, aparentemente pontual e temporária, seja o início de uma verdadeira mudança para a assistência hospitalar na rede pública, com a manutenção do total dos leitos habilitados, ou ao menos parte deles, para assegurar melhor atendimento para brasileiros com outros agravos de saúde, que aguardam por atendimento.
O ritmo de queda nos leitos de internação foi interrompido entre fevereiro e março deste ano, período em que foi publicada a Portaria nº 237/SAES/MS, de 18/03/2020, que permitiu a habilitação de leitos de internação hospitalar para atendimento de pacientes com Covid-19. Com a baixa no número de casos de contaminação pelo novo Coronavírus em diversos estados, no entanto, a tendência é de que novamente os leitos voltem a cair no país.
Estados e capitais
Em termos percentuais, os estados de população menor se destacam com maior salto no número de leitos desde fevereiro deste ano. Em Roraima, por exemplo, a rede pública passou de 1.064 para 1.439 leitos (aumento de 35%), grande parte deles na capital, Boa Vista.
Amapá também passou de 953 para 1.152 leitos (21% a mais), assim como Sergipe, que teve o incremento de 353 leitos no período (15%). Em números absolutos, os estados que mais habilitaram leitos de internação no último ano foram São Paulo (5.354), com ênfase na capital, onde foram abertos quase 1.800 novos leitos; Pernambuco (2.697), também em função do aumento de 1.155 unidades somente na capital; e Minas Gerais (2.525).
Na contramão da tendência nacional, somente duas unidades da federação possuem hoje menos leitos do que o número registrado em fevereiro: Santa Catarina (-134) e Tocantins (-13). Entre as capitais, somente Cuiabá perdeu 116 leitos de lá para cá. Palmas mantem o mesmo número de leitos de internação no período.
O 1º secretário do CFM, Hideraldo Cabeça, acredita que o atual cenário ainda revela a face negligenciada do SUS, mas avalia que é possível reverter esse quadro com a adoção de medidas efetivas. “Sufocados com o congelamento da chamada Tabela SUS, muitos hospitais, sobretudo os filantrópicos, fecharam leitos ou até mesmo as portas nos últimos anos. Esperamos que os gestores tomem a experiência com a Covid-19 como lição para a necessidade de organizarem e aprimorarem suas estruturas hospitalares”, destacou.
Déficit
Apesar do aumento de leitos de internação durante os últimos meses, a oferta desse serviço no país é menor do que os parâmetros registrados em janeiro de 2011, segundo a pesquisa do CFM. Considerando os números atuais, o país possui ainda menos 18,2 mil leitos do que os registrados naquele período.
Sem o incremento dos 22,8 mil leitos abertos entre fevereiro e junho desse ano, em princípio apenas para atender os pacientes com Covid-19, esse déficit seria de quase 41 mil leitos públicos. Em janeiro de 2011, o país dispunha de 335 mil deles para uso exclusivo do SUS. Em janeiro de 2020, o número baixou para 294 mil. Hoje, esse contingente é de 317 mil unidades.
Dentre as especialidades mais afetadas no período, em nível nacional, constam psiquiatria (-19.690), pediatria clínica (13.642 leitos), obstetrícia (-7.206) e cirurgia geral (-4.008). Já os leitos destinados a clínica geral, ortopedia e traumatologia, oncologia e saúde mental foram os únicos que sofreram acréscimo superior a mil leitos na última década.
Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 103, de junho/julho/agosto de 2020. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-103-revista-hospitais-brasil