Descrever a frequência das manifestações clínicas e alterações radiológicas nos casos confirmados de Covid-19 neonatal relatados na literatura: este foi o objetivo principal de estudo desenvolvido por Cristina Ortiz Sobrinho Valete, pediatra e docente do Departamento de Medicina (DMed) da UFSCar. Os dados foram coletados em 2020, no início da pandemia do novo coronavírus, e um artigo sobre o tema foi publicado no mesmo ano, tendo sido reconhecido pela revista da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Para desenvolver o estudo ‘Manifestações clínicas e alteração radiológica na Covid-19 neonatal: uma revisão sistemática rápida’, foram captados 344 artigos em diferentes bases de dados que apresentavam temáticas relacionadas à Covid-19 e a recém-nascidos. Na etapa final, foram analisados 21 artigos e uma amostra com 30 bebês com teste RT-PCR positivo. Desse total, 33% foram assintomáticos e 66,7% sintomáticos, sendo que não foram observados óbitos. Dentre os sintomas mais frequentes, estavam a febre (60%) e sintomas respiratórios como taquipneia ou dispneia (60%), coriza (30%) e alteração hemodinâmica (30%). A presença de alterações radiológicas ocorreu em 70% dos recém-nascidos observados.
Os principais levantamentos do estudo apontaram para a carência de pesquisas sobre a Covid-19 neonatal confirmada em recém-nascidos, na época em que os dados foram coletados. Além disso, a maioria dos recém-nascidos avaliados foi sintomática, e outro destaque foi a elevada frequência de alteração radiológica encontrada, sugerindo que algum comprometimento pulmonar possa ocorrer, mesmo na ausência de manifestações respiratórias.
A professora Cristina Valete reforça que, no início da pandemia, o foco das investigações da Covid-19 estava em adultos e idosos, e pouco havia sido publicado sobre a doença em crianças e, menos ainda, em recém-nascidos. “É preciso investir, sim, em pesquisas que incluam recém-nascidos. Os resultados do estudo sugeriram maior cautela diante de recém-nascidos com sintomas respiratórios durante a pandemia, para que se pensasse também na possibilidade de infecção pelo Coronavírus. Mas também chamamos atenção para a possibilidade de comprometimento radiológico mesmo sem sintomas. Sabemos muito pouco sobre como acompanhar estas crianças e o que podem apresentar no futuro, por exemplo”, afirma a docente da UFSCar.
A pesquisadora destaca que os levantamentos apresentados no artigo somaram-se às evidências que já existiam naquela ocasião sobre a Covid-19 em recém-nascidos e chamaram a atenção para a possibilidade de manifestações clínicas que, na época, acreditava-se que seriam minoria entre essas crianças. “Nós incluímos somente recém-nascidos com RT-PCR positivo, ou seja, não havia dúvida de que tinham Covid-19. Muitos estudos acompanharam, por exemplo, filhos de gestantes que tiveram Covid-19 e observaram se os bebês eram sintomáticos ou não. O nosso estudo, a partir de um resultado de RT-PCR positivo, observou a presença de manifestações clínicas ou não”, explica Cristina Valete, que ressalta a fundamental contribuição de Maria Dolores Salgado Quintans, docente da Universidade Federal Fluminense, para a realização da pesquisa.
Esse estudo deu origem a uma pesquisa que está em andamento no município de São Carlos (SP) sobre Covid-19 em crianças. A professora Cristina explica que a fase 2 da atual pesquisa englobará os casos que necessitaram de internação hospitalar, incluindo recém-nascidos. “Neste projeto, nosso foco é analisar o comportamento temporal da doença em crianças aqui em São Carlos, em comparação aos adultos, e estudar os casos graves”, aponta.
Reconhecimento
O artigo da professora Cristina Ortiz Valete foi premiado como o melhor estudo de revisão da Revista Residência Pediátrica da SBP nos seus 10 anos, após passar por uma extensa avaliação entre artigos de todo o território nacional. A cerimônia de comemoração foi realizada durante o Congresso Brasileiro de Pediatria e o artigo da docente integrou um e-book comemorativo da Revista. “Para mim, [esse prêmio] representou o reconhecimento e respeito por toda minha dedicação e o rigor com que trato a pesquisa, além de contribuir para minha inspiração. Para a UFSCar, em especial para o Departamento de Medicina, do qual eu faço parte, creio que este reconhecimento seja muito importante. Somos um departamento relativamente jovem, com enorme potencial e que ainda tem muito a crescer. Ver o agradecimento feito à UFSCar no e-book, por ser a instituição da qual faço parte, me deu muito orgulho”, descreve a docente.
O e-book com o artigo da docente pode ser acessado neste link: bit.ly/3E8zAnC