No Brasil, um terço das pessoas nunca passou por atendimento e avaliação de sua saúde visual. Para se ter uma ideia, 85% dos municípios brasileiros não possuem oftalmologistas. Ao mesmo tempo, problemas refrativos, como miopia e astigmatismo, são as principais causas de cegueira evitável, casos possíveis de corrigir com o uso de óculos ou lentes de contato e que facilmente poderiam ser supridos por optometristas, responsáveis pelo atendimento primário no que se refere à saúde ocular.
Esse é um dos principais argumentos apresentados ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria (CBOO), que protocolou, na quarta-feira (28), Embargos de Declaração com pedido de efeito suspensivo diante da decisão do Ministro Gilmar Mendes a respeito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 131).
Diferente do técnico em óptica, que recebe a receita e transfere para o equipamento que produz a lente ou os óculos, os profissionais optometristas têm formação de nível superior de cinco anos e estão habilitados para avaliar a condição de todo o sistema visual, aferindo sua integridade e sinais de deficiência visual que possam ser corrigidas com o uso de óculos, lentes de contato ou reabilitação visual. Esses profissionais também estão aptos a identificar doenças que necessitem da intervenção médica, quando o paciente é encaminhado ao corpo clínico.
No dia 21 de outubro, o STF publicou acórdão no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) acerca do julgamento da ADPF 131. Na decisão, o STF reconheceu o optometrista como profissional qualificado, mas jogou a responsabilidade da regulamentação da profissão para o Congresso.
“Ingressamos com recurso, pois acreditamos que oftalmologistas e optometristas podem e devem trabalhar juntos. O STF precisa reverter essa posição, pois do contrário significa virar as costas para os mais eficientes modelos de políticas públicas voltados à prevenção em saúde visual, o que representaria flagrante negacionismo e total descaso com a população”, destaca o procurador jurídico do CBOO, advogado Fábio Cunha. O CBOO representa cinco mil optometristas de nível superior no Brasil.
O argumento do CBOO é acompanhado pelo Procurador-geral da República, Augusto Aras. Na segunda-feira (26), o chefe do Ministério Público Federal também ingressou com Embargos de Declaração questionando a decisão do Ministro Gilmar Mendes acerca da ADPF 131. No recurso, Aras requer novo julgamento e que sejam superadas as omissões e contradições demonstradas com efeitos modificativos.
A contradição na decisão do STF, segundo o MPF, está relacionada com o fato de que, embora ter sido reconhecida a qualificação do optometrista graduado, bem como a vigência da Lei 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), a prescrição de lentes corretivas não pode mais ser vista como de exclusividade médica, a decisão coloca em risco a existência da profissão, uma vez que condiciona a viabilidade de sua prática à futura e incerta regulamentação pelo Congresso Nacional.
A Lei nº 12.842/2013, apelidada de Lei do Ato Médico, originariamente, vedava que optometristas prescrevessem lentes corretivas, determinando que tal ato fosse considerado privativo do médico. Todavia, a Presidência da República vetou essa parte do texto, sob o argumento de que a manutenção desta privatividade prejudicaria uma série de programas de saúde já em execução, conduzidos por optometristas, estes amplamente reconhecidos por entidades como Organização Mundial da Saúde (OMS), dentre outras. A decisão foi acompanhada pelo Parlamento brasileiro. Desse modo, conforme o MPF, os optometristas, por consequência, estão liberados para exercerem legalmente sua atividade.
Órgãos de estado já reconhecem optometristas
Já no recurso protocolado pelo CBOO, outro argumento que visa modificar a decisão do STF é o fato de vários órgãos e instâncias do Estado brasileiro já reconhecerem os optometristas como responsáveis pelo atendimento primário da saúde ocular.