Com o intuito de qualificar dia a dia a assistência ao parto, de assegurar ininterruptamente que o respeito à autonomia da mulher seja a tônica da relação médico-paciente, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) anuncia um posicionamento oficial sobre Violência Obstétrica, expressão que ilustra crescente polêmica em tempos recentes.
O entendimento é de que a comunicação clara, o diálogo e o vínculo entre parturiente, família e equipe de assistência ao nascimento é o caminho natural e mais seguro para evitar situações percebidas como violentas, lembrando que algumas ações passam a ser entendidas como Violência Obstétrica quando utilizadas inadvertidamente (veja a íntegra do posicionamento abaixo).
“Investir na formação profissional dos médicos que assistem o parto é uma de nossas obrigações”, comenta o presidente da FEBRASGO, César Eduardo Fernandes. “Algumas práticas obstétricas que eram plenamente aceitáveis e indicadas décadas atrás não são mais recomendadas nos dias de hoje. Há uma tendência a ser menos intervencionista na assistência ao parto”.
A FEBRASGO destaca a relevância de as falhas sistêmicas serem solucionadas com urgência; por exemplo as condições inadequadas para atender à paciente, a falta de leito para interná-la e medicamentos nas prateleiras. Um cenário que representa truculência não só contra a paciente, mas também contra os tocoginecologistas e demais profissionais da saúde.
Sobre o parto cesárea, esclarece ser considerado pelas principais sociedades médicas do mundo como fator essencial para salvar vidas de mães e crianças.
“Jamais se pode dar a pecha de violência para o parto cesária”, afirma Carlos Henrique Mascarenhas da Silva, membro da Comissão de Defesa Profissional e presidente da SOGIMIG (Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais). “Todas as mulheres têm o direito e devem conversar com os seus médicos sobre as vias e formas de parto, vantagens e desvantagens, quando cada procedimento é indicado. O diálogo é sempre fundamental, assim como o respeito à decisão da paciente”.
A FEBRASGO também divulgar, em breve, para seus associados e para o público leigo outros posicionamentos oficiais sobre temas controversos, informa o diretor de Defesa e Valorização Profissional, Juvenal Barreto Borriello de Andrade.
O material será distribuído a todos os ginecologistas e obstetras do Brasil no XXII FIGO (Congresso Mundial de Ginecologia e Obstetrícia da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia), que ocorrerá no Rio de Janeiro, de 14 a 19 de outubro.
POSICIONAMENTO OFICIAL FEBRASGO SOBRE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Embora a expressão “Violência Obstétrica” tenha ganhado repercussão nos últimos anos, o debate acerca da violência institucional contra a mulher em trabalho de parto não é recente, como nos mostra artigo publicado no Lancet em 2002. A intensificação do debate, contudo, coincide com a emergência de uma nova construção legal que engloba elementos da qualidade da assistência obstétrica e maus tratos às mulheres durante o parto.
Deste modo, o termo consagrado na literatura científica internacional – “violência obstétrica” – é um construto legal que inclui o tratamento desrespeitoso e abusivo que as mulheres podem experienciar durante a assistência à gravidez, parto e puerpério, bem como outros elementos de cuidado de má qualidade, como a não aderência às melhores práticas baseadas em evidências científicas.
Há evidências sólidas e crescentes de uma série de práticas desrespeitosas e violentas que as mulheres experimentam em instalações de atendimento obstétrico, particularmente durante o parto, sendo este um ponto sem grandes divergências na literatura. É mister reconhecer, contudo, que, conquanto as evidências comprovem a violência obstétrica como uma realidade, não há consenso em nível global sobre como essas ocorrências são definidas e medidas.
Neste sentido, vale destacar que as atitudes e ações agrupadas na expressão violência obstétrica não se restringem aos atos dos profissionais de saúde, embora os inclua. A literatura revela que a violência pode decorrer de falhas sistêmicas nos diferentes níveis de atenção dos sistemas de saúde e inclui uma variedade de atos intencionais ou inadvertidos que possam vir a causar sofrimento ou ferir autonomia da paciente. Deste modo, inclui atos intencionais de violência emocional, verbal e sexual, além de uma miríade de práticas obstétricas, sem respaldo pelas evidências e potencialmente prejudiciais como episiotomia desnecessária, abandono ou recusa em ajudar as mulheres durante o parto, falta de empatia do provedor e falta de informação, discussão e consentimento da mulher para as intervenções obstétricas que podem ser necessárias durante a assistência.
É crucial, contudo, destacar que reconhecer a violência obstétrica como uma realidade, não significa culpabilizar nenhuma categoria profissional específica, posta que esta se consolida em termos estruturais. A violência obstétrica é uma expressão de violência durante a prestação de cuidados de saúde, que ocorre em um ambiente social e em sistemas de saúde cujos fundamentos políticos e econômicos fomentam o desenvolvimento de relações de poder. Assumir a violência obstétrica como uma realidade a ser enfrentada não enfraquece os obstetras como categoria profissional. Ao contrário, a fortalece, uma vez que os profissionais de saúde também estão expostos a prejuízos oriundos da mesma estrutura que sustenta a institucionalização de práticas violentas contra as mulheres.
Deste modo, a busca constante por uma assistência materno-infantil de qualidade passa pelo enfrentamento da violência obstétrica e reconhecer que a estrutura dos serviços é violenta contra os profissionais reforça a necessidade de enfrentamento à violência obstétrica, sendo também a recíproca verdadeira.
Como médicos Obstetras temos uma grande oportunidade em mostrar as mulheres que estamos ao lado delas na busca por uma assistência obstétrica de qualidade, que respeite sempre e acima de tudo cada gestante na sua individualidade e nos seus desejos para o seu parto.
Relatora Convidada pela Febrasgo
Dra. Liduina Albuquerque Rocha de Souza
Presidente da SOCEGO – Associação Cearense de Ginecologia e Obstetrícia
RECOMENDAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS NA ASSISTÊNCIA AO PARTO PARA EVITARMOS A ACUSAÇÃO DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Ressalta-se que a questão central para não promover ações violentas na assistência ao Parto é o respeito a autonomia da mulher, assegurando também a beneficência e a não-maleficência nesse processo.
Nesse sentindo, a comunicação clara, o diálogo e o vínculo entre parturiente, família e equipe de assistência ao nascimento é o caminho natural e mais seguro para que se evitem situações percebidas como violentas, lembrando que algumas ações passam a ser entendidas como Violência Obstétrica quando utilizadas inadvertidamente, de forma imposta ou ferindo às evidências, desconsiderando a condição de sujeito da parturiente.
São recomendadas pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), pela Organização Mundial da Saúde, pela Comissão Nacional de Incorporação das Tecnologias no SUS como boas práticas de assistência ao trabalho de parto e parto:
Individualidade
– Converse e oriente as parturientes chamando-a pelo seu nome. Jamais utilize de apelidos ou abreviações, exceto quando solicitado pela paciente.
Momento de internação na maternidade
– Sempre que possível, internar a gestante para assistência ao parto quando esta estiver na fase ativa de trabalho de parto.
Acompanhantes
– Estimule e facilite a presença do/a acompanhante, de livre escolha da parturiente, no ambiente de assistência ao trabalho de parto e parto, sem restrição de trânsito. Quando possível, deixe que a família da gestante frequente o local em que a gestante está em trabalho de parto. Além disso, inclua os acompanhantes na discussão e informação do que está sendo feito na assistência.
Dietas
– Liberdade para ingestão de líquidos claros durante o trabalho de parto ativo para gestantes de Risco Obstétrico Habitual.
Preparo para o parto
– Pergunte a mulher o que ela deseja quanto a tricotomia e enemas;
– Não realize tricotomia compulsoriamente;
– Não realizar enema ou laxativos como rotina.
Monitorização fetal
– Manter ausculta fetal intermitente nas pacientes de baixo risco (a cada 30 minutos na fase ativa do trabalho de parto, e a cada 5 minutos no período expulsivo), preferencialmente permitindo que a parturiente e acompanhantes também possam ouvir os batimentos cardíacos fetais.
Parto
– Discuta e respeite a liberdade de escolha da gestante ao escolher a posição mais confortável para o parto, estimulando as posições verticalizadas;
– Ofereça métodos não farmacológicos de alivio da dor, incluindo o apoio contínuo durante o trabalho de parto;
– Deixe que a gestante/parturiente escolha o momento de ter a analgesia farmacológica do parto, informando a ela que isso é uma escolha dela e que não irá prejudicar a evolução do parto;
– Não realizar episiotomia de rotina, e quando houver a percepção de que há necessidade da mesma, informe, explique e justifique esta necessidade para a parturiente e acompanhante, realizando-se após seu consentimento que virá naturalmente quando mostramos a ela que a estamos respeitando;
– Imediatamente após o nascimento, estimule e promova o contato pele a pele da mãe e seu filho, independentemente se for parto vaginal ou parto cesárea. Peça diretamente, quando necessário, que o pediatra promova e facilite este contato;
– Promova medidas de redução de hemorragia no 4º período do parto. (uso sistemático de ocitocina intramuscular).