Maior causa de morte entre pacientes internados em UTIs brasileiras – cerca de 55,7% dos casos da complicação registrados em unidades hospitalares no país em 2017 resultaram em óbito, segundo levantamento realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pelo Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas) -, a sepse é uma das maiores preocupações nas unidades de saúde. O cenário alarmante fez com que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) acendesse o alerta para a adoção de medidas visando reduzir o número de ocorrências da doença, criando um programa especial para este fim. Em quatro anos de implantação do projeto, a taxa de mortalidade por sepse na unidade caiu de 55% para 40%.
O Programa Intrahospitalar de Combate à Sepse (PICS) começou na unidade em 2013 através de um levantamento cujo objetivo era identificar quais áreas apresentavam possíveis déficits que causavam lentidão no processo do tratamento do paciente com sepse.
“O atendimento deve começar com o reconhecimento precoce do problema. Para isso, montamos um programa de conscientização dos funcionários envolvidos na assistência para essa identificação rápida. Também criamos um curso no modelo de ensino à distância voltado para médicos, enfermeiros e técnicos de Enfermagem sobre o assunto”, explica o médico intensivista e executivo do PICS do HCPA, Rafael Barberena Moraes. De acordo com ele, a abordagem é totalmente voltada para a realidade da instituição, citando dados e processos da unidade e casos que aconteceram no hospital. O curso é obrigatório para os médicos residentes e conta pontos para o plano de cargos e salários dos funcionários.
Durante o curso, os profissionais são orientados a seguir um padrão de atendimento que envolve a solicitação e o encaminhamento de pedidos de exames, a notificação dos casos junto ao sistema da unidade, a aplicação mais rápida da medicação, entre outras determinações. Além da diminuição significativa das taxas de mortalidade, o projeto gerou uma queda significativa no tempo médio de reconhecimento desses casos. “Em 2014, levava-se, em média, seis horas; em 2017 passou para uma hora. Essa redução tem sido fundamental, já que quanto mais tempo se leva para detectar o problema, maior se tornam as chances de mortalidade”, assegura o médico.
Para Rafael Moraes é preciso dar notoriedade a esse tema, que é bastante prevalente. “Muitos hospitais e profissionais ainda não têm a cultura de que pacientes sépticos precisam ser atendidos com rapidez e que se trata de um processo que exige multidisciplinaridade. Se a unidade não está integrada e não se comunica bem, se torna impossível oferecer o tratamento correto, que é simples desde que se tenha toda a cadeia funcionando de forma conjunta. Desenvolvemos um protocolo que fica acessível a todos na intranet e sempre que acontece um caso de sepse o funcionário que eventualmente tiver alguma dúvida sobre como proceder pode acessá-lo”, ressalta.
Mais agilidade na administração de medicamento
Outro ganho advindo da criação do projeto foi a redução do tempo de início da administração do antibiótico para esses pacientes. Antes, as equipes levavam cerca de seis horas para começar a medicação. Atualmente, são duas horas, com o objetivo de reduzir para uma hora. “Esse é um resultado muito importante para nós. Em um sistema complexo como é o HCPA, uma unidade com 13 andares e mais de 600 leitos, 50 somente de UTI, o caminho da medicação até o paciente é longo. O médico prescreve, essa prescrição tem que chegar ao técnico de Enfermagem, que vai até a Farmácia. Daí o farmacêutico dispensa a medicação que está no estoque, que finalmente é levada para o enfermeiro aplicá-la. É uma cadeia que envolve diversos elos que, muitas vezes, podem ser frágeis. Agora, conseguimos trabalhar de forma multidisciplinar para que esses elos estejam todos ligados, reduzindo bastante o tempo do processo”, analisa o intensivista.
O reforço na comunicação entre os profissionais envolvidos no atendimento também pode ser visto no time de resposta rápida. A equipe, composta por um médico residente e um intensivista, fica à disposição para atender pacientes graves que estão fora da UTI e é uma novidade implementada pelo protocolo. Sempre que acontece uma intercorrência deste tipo, a Enfermagem aciona esse time, que consegue com mais rapidez e autonomia acessar o paciente com suspeita de sepse.
“Esse atendimento é feito em caráter de urgência e em menos de cinco minutos a equipe está junto ao paciente. Determinamos algumas condições clínicas que precisam ser verificadas para esse atendimento e, com isso, observamos a queda na morbidade e na mortalidade dos pacientes”, afirma Rafael Moraes.
Investimento em novas estruturas
O novo programa colaborou para a implementação de mudanças estruturais importantes. Foram instaladas duas farmácias satélites ao lado da Emergência e da UTI, setores que mais dispensam antibióticos, e o hospital adquiriu um dispensatório eletrônico de medicamentos. Segundo o médico, as iniciativas vêm ajudando a agilizar o processo. “Hoje, se prescrevo uma medicação no quarto andar, a Farmácia visualiza esse pedido no sistema e o farmacêutico dispensa o medicamento, que vai automaticamente para o andar onde foi solicitado. Com isso, conseguimos eliminar o deslocamento do técnico de Enfermagem até a Farmácia central e em cerca de 15 minutos após a prescrição o remédio está no local onde foi requisitado”.
Para Rafael Moraes, o processo de acreditação pelo qual o HCPA passou, conquistando o selo da Joint Commission International em 2013, foi um estímulo importante para o desenvolvimento do programa.
“A acreditação trouxe uma cultura de busca pela qualidade e de responsabilidade pelos atos para a instituição. A partir do momento em que se estruturam protocolos, criamos formas de avaliar dados e procurar resultados a partir disso. A acreditação vem nos proporcionando isso; temos metas a cumprir. Nesse caso, as metas são ainda mais importantes, pois ajudam a diminuir a mortalidade, acrescentam segurança e nos mostram onde estão nossos problemas e onde podemos melhorar no atendimento para fazê-lo da forma correta, reduzindo os riscos para o paciente”, finaliza.