MG, 54 anos, herdou dos pais uma mutação genética e, por conta disso, ela tem o diagnóstico de uma doença rara e grave: a polineuropatia amiloidótica familiar associada à transtirretina, mais conhecida pela sigla PAF-TTR. Este não é um evento raro na família de MG, que vive no interior da Bahia. Dois de seus irmãos faleceram devido ao agravamento da doença, que é silenciosa e apresenta os primeiros sinais e sintomas entre os 30 e 50 anos de idade. A patologia se manifesta dos membros inferiores para os superiores. Causa perda de sensibilidade nos pés, evolui para dores intensas e incapacitantes, fraqueza e atrofia e avança para a incapacidade de locomoção, além de afetar múltiplos órgãos e sistemas como, por exemplo, coração, sistema nervoso, trato gastrointestinal e rins. “Eu conseguia andar, hoje utilizo a cadeira de rodas para me locomover. Só tenho acesso a medicamentos para dor, que nem sempre são suficientes”, relata ela, que ainda tem esperança de dias melhores com o marido e os dois filhos.
A esperança de MG e de tantas outras pessoas acometidas pela doença tornou-se um tanto mais distante na última semana, quando a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) do Ministério da Saúde, órgão responsável pela incorporação de novas tecnologias no SUS, deu parecer desfavorável a incorporação de um novo tratamento na rede de saúde pública. “Essa recomendação negativa representa uma negligência com essas pessoas, que passam a ser excluídas do direito à saúde, o que está previsto na nossa Constituição. E é um tanto contraditória, uma vez que a Conitec reconheceu a eficácia da Inotersena nonadecassódica, que é um sopro de vida para as pessoas com PAF-TTR. Estamos lutando pela vida dessas pessoas que, a partir dessa recomendação, receberam praticamente uma sentença de morte”, afirma Mônica Aderaldo, presidente da Federação das Associações de Doenças Raras do Norte, Nordeste e Centro Oeste (Fedrann).
Como parte do processo de incorporação, foi aberta a consulta pública (n0 49/2022) para ouvir representantes da sociedade civil. Foram registradas 433 contribuições favoráveis à incorporação do medicamento. A presidente da Fedrann contesta a recomendação negativa do órgão. “Ficou claro que a Conitec levou em conta apenas um ponto para sua recomendação negativa: o custo do tratamento”. A decisão ainda pode ser alterada pela secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE) do Ministério da Saúde, que, pela regulamentação, pode acatar ou não a recomendação final da Conitec.
“O tempo é um fator crucial para pessoas com PAF-TTR, que estão em plena idade produtiva. Esta é uma doença letal. Sem o medicamento, a neuropatia progride e a sobrevida média dos pacientes é de 10 a 15 anos após o diagnóstico. Isso causa um grande impacto para as famílias e para o próprio sistema público de saúde”, afirma o médico neurologista Wilson Marques Junior, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo.
Atualmente, existe apenas um tratamento incorporado no SUS para PAF-TTR, indicado para o primeiro estágio da doença. Em caso de falha terapêutica ou de progressão da enfermidade para o estágio 2, os pacientes ficam desassistidos. Mônica Aderaldo atenta ainda para a urgência do diagnóstico precoce e a necessidade de que terapias adequadas estejam disponíveis aos pacientes. “Há quatro anos aguardamos pelo acesso ao medicamento e não podemos mais esperar. Pessoas estão morrendo por falta de acesso a um medicamento adequado. Sem o tratamento, os pacientes com PAF-TTR perdem a autonomia e passam a depender da família ou de cuidadores. Com o medicamento, eles têm integridade física e social. Este é um direito que não abrimos mão”, completa ela.