A disfunção cerebral aguda (DCA) é uma das disfunções orgânicas mais comuns em pacientes internados nas unidades de terapia intensiva (UTI). Suas manifestações mais graves, a exemplo do delirium, implicam em múltiplos efeitos adversos, desde o aumento da morbimortalidade, como do tempo de internação e dos custos para o sistema de saúde. Considerando que no presente momento não há uma intervenção que possa curar efetivamente a DCA, um novo estudo buscou identificar previamente a chance de pacientes de UTI desenvolverem o delirium por tempo prolongado (maior que 48 horas), podendo assim identificar os pacientes mais graves e propensos a receber intervenções que possam evitar o desenvolvimento do quadro.
Para identificar padrões que pudessem guiar esta predição, os médicos estudaram dados clínicos e biológicos de 629 pacientes submetidos à ventilação mecânica em UTIs. “Partimos da premissa inicial de que a duração ou a carga de delirium, e não simplesmente a presença, poderiam influenciar o desfecho desses pacientes. Como os grupos eram muito heterogêneos entre si, utilizamos novos modelos estatísticos que permitiram avaliar a predição e a duração do delirium através de características individuais dos pacientes. Depois, nós os dividimos em grupos mais homogêneos e com isso pudemos identificar características clínicas e biológicas, que ajudaram na fenotipagem de cada grupo”, afirma o Dr. Vicente Cés de Souza-Dantas, médico do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Copa Star e principal autor do estudo.
Segundo o médico, a divisão em fenótipos foi possível devido à aplicação de um modelo de 4 variáveis, que analisou nos pacientes o escore de gravidade da doença aguda na UTI (SAPS II), a internação por patologias clínicas, o diagnóstico de sepse (inflamação grave e generalizada causada por uma infecção concomitante) e a PCR sérica basal. Esta última consiste na proteína C-reativa (PCR), cuja dosagem foi diretamente associada a uma maior duração da DCA nos pacientes internados. Ainda foi identificado um subfenótipo de pacientes que, mesmo em uso da ventilação mecânica e sendo considerados de alto risco para o desenvolvimento da DCA, não desenvolveram delirium em nenhum momento do estudo, evitando com isso o uso desnecessário de intervenções pra o tratamento da DCA.
Com a aplicação do método, o estudo conseguiu dividir os mais de 600 pacientes em 3 subfenótipos, cada um com características e desfechos clínicos diferentes e segmentados principalmente pela duração da DCA. “Acreditamos que a classificação desses pacientes em subfenótipos bem definidos possa auxiliar tanto na prática clínica diária como nos critérios de seleção para futuros ensaios de intervenção farmacológica”, afirma o autor.
O Dr. Vicente Cés de Souza-Dantas também é pesquisador colaborador da Pós-Graduação em Terapia Intensiva do IDOR e médico da UFRJ e associado à AMIB, ao ILAS e a BRICNET. Ele ressalta que estudos como este são essenciais, já que não dispomos de tratamentos efetivos para a disfunção cerebral aguda e é necessário dar a devida atenção ao desenvolvimento de estratégias preventivas, pois estas podem gerar potenciais diferenças na qualidade de vida e na própria longevidade dos pacientes agudamente enfermos.