Pandemia faz números de mamografias despencarem em todo o país

Desde o início da pandemia, mastologistas e pesquisadores da Sociedade Brasileira de Mastologista (SBM) acenderam o sinal de alerta sobre o impacto que o isolamento social poderia causar no rastreamento periódico das mulheres bem como no tratamento das pacientes de câncer de mama. Passado um ano e meio, novo estudo da entidade aponta que o número de mamografias realizadas em 2020 foi 42% menor que o ano anterior em todo o território nacional. Dados preliminares, não publicados, apontam que ainda não houve recuperação para os níveis anteriores à pandemia.

De acordo com a Dra. Jordana Bessa, coordenadora do estudo e membro da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), além de verificar a diferença na realização do exame, o estudo visou também investigar se houve um aumento na proporção de mulheres submetidas a mamografia para fins de diagnósticos, com nódulos palpáveis. Ela explica que, entre as mulheres que se apresentaram para mamografia, a proporção de nódulos palpados foi significativamente maior em 2020. “Infelizmente as notícias não são boas. Além da queda na realização das mamografias, exame fundamental para o rastreamento da doença, identificamos um aumento de mulheres com nódulos palpáveis, saindo de 7,0% em 2019 para 7,9% em 2020, algo de extrema preocupação para todos nós”, afirma.

Segundo a médica, a queda se acentuou a partir de abril de 2020, primeiro mês de distanciamento social. Todo o país sentiu esse baque, porém Rondônia foi o estado mais afetado, com queda de 67%. “No geral o impacto foi bastante acentuado em todo o país”, reforça a mastologista.

O estudo teve como base o número de mamografias realizadas pelos serviços públicos de saúde brasileiros, disponibilizados pelo DATASUS, um banco de dados de acesso aberto. O levantamento comparou o número de mamografias realizadas em 2019 e 2020, em mulheres com idade entre 50-69 anos, estratificadas por mês, em cada estado da federação, e pela presença de nódulos palpáveis. Mamografias de instituições privadas não foram incluídas. Em números absolutos, houve cerca de 800.000 exames a menos em 2020. Considerando a taxa de detecção da mamografia digital, isso pode significar cerca de 4 mil casos de câncer de mama não diagnosticados até o final de 2020.

“No geral, a conclusão que podemos chegar é que a pandemia agravou o cenário do rastreamento do câncer de mama no Brasil, que sempre caminhou abaixo do que preconiza a Organização Mundial da Saúde. Isso pode implicar no aumento do diagnóstico em estágios mais avançados”, explica a mastologista. Por essas e outras dificuldades, ao contrário de diversos países, o Brasil não consegue reduzir a mortalidade por câncer de mama.

Último levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia indica que em 2020 a aderência ao exame diminuiu em 45%

A celebração do Outubro Rosa em 2021 desempenha papel fundamental no reforço da importância do rastreio do câncer de mama, doença que anualmente faz mais de 66 mil novos casos no Brasil.1 Um levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) indica que entre janeiro e julho de 2020 o número de mamografias realizadas pelo SUS foi de 1,1 milhão, registrando uma redução de 45% no número de exames realizados por mulheres entre 50 e 69 anos. No mesmo período de 2019 o total de mamografias feitas era de 2,1 milhão, o que já preocupava especialistas uma vez que apenas 20% do público de mulheres na faixa etária indicada estava coberto pelo exame – a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que haja uma cobertura de ao menos 70%.2 Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, o medo de se infectar pelo vírus deixa de ser o principal motivo para postergar os cuidados com a saúde3, e se faz necessário compreender as demais causas que influenciam a não realização do exame.

“Atualmente, a mamografia é o exame mais indicado para a detecção precoce do câncer de mama, já que permite a identificação de tumores muito pequenos e, consequentemente, nos estágios iniciais da doença. A agilidade no diagnóstico é o que determina como será o tratamento, as possibilidades de cura e o tempo de sobrevida da mulher. Entender o que impede as brasileiras de fazerem a mamografia, uma vez que há uma legislação específica para garantir o acesso ao exame, é essencial para reverter essa realidade”, explica Carlos dos Anjos, oncologista clínico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. Com esse objetivo, um estudo publicado recentemente no periódico Nursing Open, analisou 22 estudos publicados entre 2006 e janeiro de 2020, e identificou por meio de meta-análise 41 fatores que podem influenciar na adesão ao exame, divididos entre características demográficas e socioeconômicas, uso do serviço de saúde, histórico médico e rastreamento anterior de câncer.4

Desigualdade socioeconômica tem forte impacto na aderência a mamografia

Entre todos os aspectos considerados na pesquisa, o levantamento indica que ter idade elevada, estar em um relacionamento, ter ensino superior, maior renda, residência urbana e morar no Sudeste do Brasil são aspectos mais comumente relacionados à adesão do exame de mamografia4, demonstrando um reflexo da desigualdade socioeconômica característica do Brasil na saúde da mulher. A má-distribuição dos 4,2 mil mamógrafos dispostos pelo país e as dificuldades em acessar os serviços de saúde também são causas apontadas pela SBM.2

Um ponto de atenção levantado pelo estudo é a ausência de investigação entre a relação da raça com a qual a paciente se identifica e a busca pelo exame. Somente 3 de todos os 22 estudos considerados na meta-análise incluíram esse aspecto.4 “Em um país como o Brasil, em que mais de 50% da população se identifica como preta ou parda, é impensável não considerar esse aspecto. A ausência desse dado inviabiliza a definição de políticas de saúde voltadas para a preservação da saúde da mulher negra, além de reforçar um comportamento de omissão quanto aos cuidados para com essa mulher. Tal comportamento é contrário a um movimento de países desenvolvidos que visa trazer maior inclusão dessas mulheres no combate ao câncer, necessidade exposta no discurso de abertura do congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica em 2021”, conta o especialista.

Com relação ao uso do serviço de saúde, histórico médico e rastreamento anterior de câncer, o levantamento indica que mulheres que passaram por consulta médica anterior – seja com especialista ou na atenção primária, que tem uma perspectiva positiva da própria saúde, e que realizaram outros exames de rastreio do câncer aderem mais à mamografia. No entanto, alguns fatores como estar na menopausa, ser tabagista, dificuldades na realização de atividades diárias, ter doença crônica, ter nódulos benignos na mama, história pessoal e familiar de câncer de mama, e o índice de massa corporal não estão necessariamente relacionados à maior adesão à mamografia.4 “O levantamento mostra ainda que poucos estudos analisados consideraram esses aspectos, mas principalmente que esses fatores podem impactar a influência desses fatores na adesão, seja para mais ou menos, variou. A partir disso, é possível indicar que uma parcela da população não tenha conhecimento sobre quais são os comportamentos e características de saúde que podem contribuir para o surgimento do tumor e que por isso orientam para a indicação de realização do exame”, alerta Dr. Carlos.

A incidência de câncer de mama vem aumentando em países de baixa e média renda, assim como a taxa de mortalidade, de modo que 62% das mortes por câncer de mama em todo o mundo agora ocorrem em países em desenvolvimento, como o Brasil.5

Problema é ainda maior entre minorias raciais, étnicas e culturais

Um outro levantamento publicado pela Spandidos Publication avaliou 19 estudos desenvolvidos em todo o mundo para coletar informações de 250.733 mulheres de diferentes grupos minoritários, além de avaliar a adesão ao rastreamento do câncer de mama e as barreiras ou limitações que causam a não-adesão. Como resultado, a taxa de adesão encontrada foi de, em média, 49,7% nos últimos 2 anos. Ou seja, metade das mulheres que fazem parte de alguma minoria não fez o exame no período. No Brasil, a taxa de adesão a mamografia é de apenas 32% entre mulheres com 50 a 59 anos e 25% naquelas com 60 a 69 anos e que integram algum grupo minorizado.6

Os fatores socioeconômicos encontrados coincidem com os citados no estudo brasileiro, mas levantou outros pontos também, como fatores pessoais, como medo, desconfiança dos profissionais de saúde ou do sistema de saúde e desconhecimento dos procedimentos, falta de tempo, atividades conjugais. Fatores étnicos, culturais e religiosos, como crenças, confiança na medicina oriental, desconfiança nas práticas ocidentais, religião, estigma e vergonha, bem como fatores externos, falta de acesso e estímulo para fazer o exame foram apontados como motivos responsáveis pela falta da realização de mamografias. Até mesmo o conforto com relação ao sexo do profissional de saúde que presta o atendimento foi identificado como possíveis causas para o comportamento.6

O câncer de mama é o tumor maligno mais comum entre as mulheres, sendo responsável por um em cada quatro casos de câncer no mundo.7 A diminuição no número de exames feitos durante a pandemia pode provocar o surgimento de 4 mil novos casos nos próximos anos.3 “Com o início da retomada das atividades, é imprescindível que as mulheres priorizem a sua saúde e busquem pela mamografia. Esses casos precisam ser diagnosticados o quanto antes, pois a cada dia que passa, o câncer avança. Culturalmente, a brasileira coloca o cuidado com o companheiro, a família e os amigos em primeiro lugar, mas isso precisa mudar. Essa rede de apoio pode e deve priorizar a saúde da mulher e auxiliá-la nessa jornada, seja para o diagnóstico precoce ou apoio durante o tratamento do câncer”, reforça o oncologista.

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