Pela primeira vez, diretrizes apontam grupos de risco que devem fazer triagem para câncer no ânus

A partir da revisão de 121 artigos científicos, um consenso composto por pesquisadores brasileiros traz, pela primeira vez, as diretrizes que apontam quais grupos de risco podem se beneficiar de uma triagem para câncer de ânus, em especial o carcinoma espinocelular (CEC) do canal anal. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), que assina o estudo publicado na revista científica Journal of Surgical Oncology, medidas de rastreamento são recomendadas para homens que fazem sexo com homens, indivíduos vivendo com HIV e pacientes imunossuprimidos (incluindo transplantados de órgãos sólidos e de medula óssea), assim como mulheres com história prévia de câncer de vulva ou de lesão pré-neoplásica em vulva.

Além disso, a infecção pelos subtipos carcinógenos do vírus HPV tem sido cada vez mais reconhecida como uma das principais causas de câncer anal. “Pela primeira vez, incluímos recomendações para a triagem do câncer de ânus em populações de alto risco, algo que nunca foi feito por nenhuma sociedade médica no mundo até agora. Com base no que apontamos neste documento, o especialista deve orientar a realização de exames de triagem”, explica o cirurgião oncológico Marcus Valadão, diretor científico da SBCO e um dos autores da diretriz.

Dentre os fatores determinantes para a definição do grupo de risco para triagem estão a etiologia (causa) e epidemiologia (incidência) da doença. Valadão explica que, entre os fatores associados ao aumento da incidência dos tumores anais estão as infecções virais pelo papilomavírus humano (HPV) e o Vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da Aids e importante fator de imunossupressão (diminuição de resposta do sistema imunológico). Fazem parte da lista de fatores de risco para desenvolvimento de câncer no ânus algumas infecções sexualmente transmissíveis, como a herpes genital, gonorreia e clamídia, a prática do sexo anal e tabagismo.

O rastreamento, com foco no diagnóstico precoce, visa reduzir a mortalidade pela doença. Dados do levantamento SEERs, do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI) aponta que, quando a doença é descoberta no início (ainda restrita ao ânus), a chance de cura (o paciente estar vivo cinco anos após o diagnóstico) é de 83,7%. Havendo metástase (a doença se espalhar para outros órgãos), esta taxa cai para 36,2%. Dados do Atlas de Mortalidade por Câncer/SIM, do Ministério da Saúde brasileiro, indicam que esse tumor foi responsável por 1.040 mortes em 2020 no país.

O câncer de ânus representa 1% a 2% de todos os tumores colorretais, sendo considerado um tipo relativamente raro. “No entanto, sua incidência tem aumentado nas últimas décadas, configurando uma preocupação de saúde pública a ser discutida”, afirma Marcus Valadão. Em um número considerável dos casos, não há sintomas prévios ou evidentes. Mas, em geral, a maioria das pessoas é diagnosticada quando sinais e sintomas, como sangramento retal, coceira local ou nódulo ou massa no ânus, entre outros, começam a aparecer. No entanto, esses sintomas estão também relacionados a muitas outras patologias benignas.

O guideline é resultado do esforço de uma comissão de 14 especialistas, entre cirurgiões, oncologistas e radioterapeutas criada pela SBCO para revisar a literatura e formular diretrizes sobre trinta tópicos relevantes da doença. “O objetivo foi criar uma publicação que reunisse orientações em linguagem clara e acessível com base nas melhores evidências científicas atuais sobre aspectos do manejo do câncer anal, desde a triagem dos pacientes ao tratamento do câncer anal e vacinação para o papilomavírus humano”, observa Valadão.

A divulgação das novas diretrizes não apenas auxilia os médicos na prática clínica, mas também posiciona a SBCO como uma sociedade de destaque internacional na área do câncer anal.  “Estas diretrizes são um guia prático para ajudar cirurgiões e oncologistas que tratam câncer de canal anal tomar as melhores decisões terapêuticas. Devem melhorar os resultados do tratamento e oferecer uma melhor qualidade de vida aos pacientes afetados por essa doença”, afirmou Marcus Valadão, diretor científico da SBCO e principal autor do estudo).

Referência: 

Valadão M, Riechelmann RP, Silva JACE, Mali J, Azevedo B, Aguiar S, Araújo R, Feitoza M, Coelho E, Rosa AA, Jay N, Braun AC, Pinheiro R, Salvador H. Brazilian Society of Surgical Oncology: Guidelines for the management of anal canal cancer. J Surg Oncol. 2023 Apr 6. Disponível em: onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/jso.27269

Redação

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