Pesquisadores identificam proteína associada ao agravamento da leucemia mieloide aguda

A leucemia mieloide aguda é um tipo de câncer agressivo que afeta o sangue. Segundo o Observatório de Oncologia, a doença representa cerca de 80% das leucemias agudas do adulto e 36% dos óbitos de leucemia entre 2008 e 2017, sendo mais comum em pessoas com mais de 60 anos. Os tratamentos disponíveis são quimioterapia ou transplante de medula óssea, única opção curativa em caso de falha aos tratamentos medicamentosos. Entretanto, uma descoberta do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) traz uma nova perspectiva de terapia. Publicada na revista Cellular Oncology, que pertence ao grupo SpringerNature, a pesquisa identificou um marcador da evolução da doença, a proteína ezrina. A partir disso, fármacos que inibem a proteína podem ser usados para encontrar uma terapia não invasiva, especialmente para os idosos, que não são elegíveis para o transplante.

O estudo foi coordenado pelo professor João Agostinho Machado-Neto, biólogo e pós-doutor em clínica médica, e conduzido pelo doutorando Jean Carlos Lipreri da Silva no Laboratório de Biologia do Câncer e Antineoplásicos do Departamento de Farmacologia. O grupo tem como objetivo aumentar o leque de opções para o tratamento da leucemia e foca na compreensão da biologia do câncer, assim como no estudo de novas moléculas com potencial terapêutico.

Os cientistas foram pioneiros em associar a proteína ezrina à leucemia mieloide aguda — isso já havia sido observado em outros tipos de câncer. A primeira etapa do trabalho consistiu na análise de dados do The Cancer Genome Atlas (TCGA), uma iniciativa global de troca de informações sobre a doença. Na plataforma, são catalogadas as mutações genéticas responsáveis pelo câncer, a partir de sequenciamento de genoma e bioinformática.

“Com os dados do TCGA, estudamos o papel das proteínas que regulam o citoesqueleto, um conjunto de fibras que ficam no citoplasma das células. Depois de minerar os dados, vimos que a ezrina tinha uma característica diferente das demais: os pacientes que tinham mais ezrina, morriam mais. Isso é importante para entender como o câncer pode evoluir”, detalha Machado-Neto. A partir do marcador, os médicos poderiam atuar de maneira mais eficaz no tratamento. Isso porque, atualmente, em pacientes de grupo de risco intermediário, é difícil prever o curso da doença. “A ezrina pode ser um critério para tomar uma decisão clínica no futuro e verificar se o paciente vai precisar ou não de uma terapia mais agressiva”, completa.

Novas terapias — Além da análise de dados, foram realizados testes in vitro com células leucêmicas humanas. Por meio de um fármaco, que tem propriedades já conhecidas e até então só é utilizado em pesquisas, o grupo conseguiu inibir a ezrina e aumentar a morte das células tumorais. “Trabalhar com uma molécula já conhecida aumenta as chances de levá-la para ensaio clínico. Quando os testes são apenas com ferramentas genéticas, é possível provar um conceito, mas a probabilidade de transformar isso em remédio em curto prazo é menor”, destaca o professor.

O processo de identificar uma nova molécula e desenvolver um medicamento que possa ser usado em pacientes é longo, durando em média 15 anos. Mas o avanço já é significativo, pois a demanda por um novo tratamento é grande. Por ser de rápida evolução, esse tipo de leucemia tem uma chance de óbito de 50% em jovens e mais de 80% em pacientes com mais de 60 anos. “A descoberta é fundamental, principalmente por oferecer uma alternativa aos idosos, que em geral não conseguem fazer o tratamento ideal, por ser muito agressivo, e acabam ficando em cuidados paliativos. O prognóstico de pacientes idosos geralmente não passa de 12 meses”, reforça o doutorando Jean Lipreri da Silva.

Por mais que existam muitos estudos e dados sobre a leucemia, pouco é aproveitado nos tratamentos, que usam as mesmas estratégias desde a década de 1970, aponta o pesquisador. E segundo o professor João Machado-Neto, a ezrina também apresenta um papel importante no câncer de mama e no osteossarcoma (um tipo de câncer comum nos ossos). Sendo assim, a descoberta pode ser útil para outras doenças.

Próximos passos — Os primeiros testes foram feitos em linhagens celulares humanas de uso comercial para pesquisa. Para a próxima etapa, o grupo obteve aprovação do Comitê de Ética da USP para fazer testes em células de pacientes acometidos pela leucemia, a partir da doação de uma amostra de sangue periférico ou de medula óssea. A expectativa é que os testes em animais sejam iniciados nos próximos dois anos; ainda não há previsão para testes clínicos.

Além disso, os pesquisadores estão testando compostos em outros tipos de leucemia, que também precisam de novas terapias.

Redação

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