Com o potencial de aumentar as chances de remissão do câncer de colo do útero em casos de doença localmente avançada (quando invade tecidos vizinhos ou se espalha para os linfonodos), a braquiterapia é usada associada à radioterapia, porém, essa técnica encontra gargalos para ser mais acessível no Brasil. O levantamento RT2030, realizado pela Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) aponta que 37% dos serviços de Radioterapia do país não oferecem a braquiterapia, sendo que apenas 13% dos bunkers em uso são de hospitais públicos. O maior impacto da falta de acessibilidade ao tratamento se dá justamente no câncer de colo do útero, que é o mais comum entre os tumores ginecológicos. O documento RT2030 aponta que 97% dos procedimentos de braquiterapia no Brasil, em 2019, foram ginecológicos.
Enquanto a radioterapia externa é feita com o paciente deitado em equipamento conhecido como acelerador linear, que dispara feixes de radiação sobre a pele em área determinada, a braquiterapia emite radiação por uma fonte inserida na massa tumoral ou em região próxima. Feita de modo temporário ou permanente, a braquiterapia tem indicações clínicas para casos de outros tipos de câncer, além do colo do útero como corpo do útero (endométrio), mama e próstata.
Na braquiterapia, a dose programada de radiação chega às células cancerosas por meio de aplicadores, cateteres ou placas que conduzem o material radioativo de curto alcance. Inseridos com a ajuda de sedação e guiados por ultrassom, esses dispositivos são retirados após cada sessão. Há situações em que a braquiterapia é permanente, como no tratamento do câncer de próstata, em que a fonte da radiação cápsulas, chamadas de “sementes” contendo o material radioativo milimetricamente posicionadas no tecido tumoral ou áreas circundantes com a ajuda de agulhas.
A inserção dos aplicadores e a introdução das sementes radioativas é feita após um planejamento rigoroso. “Desde que começou a ser utilizada clinicamente na Europa para tratar o câncer de útero, desde o início do século 20, a braquiterapia evoluiu bastante”, explica a médica radio-oncologista Rachele Grazziotin Reisner, membro da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e coordenadora de Ginecologia em Radioterapia do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Segundo a médica, as doses e a administração da radiação entregue pela braquiterapia são atualmente calculadas com tecnologia 2D ou 3D. Os equipamentos usados para obter as imagens necessárias a esse cálculo e também para a administração da dose podem variar de acordo com a técnica utilizada. Na braquiterapia 2D, geralmente são feitas radiografias, em diferentes ângulos e posições, com os aplicadores já posicionados em relação ao tumor. No sistema 3D, as imagens são captadas por tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). As imagens coletadas, bidimensionais ou tridimensionais, são digitalizadas e usadas por softwares que calcularão os pontos a serem irradiados, a distribuição da radiação e a intensidade das doses no tumor e tecidos normais.
Em geral, as imagens tridimensionais permitem uma distribuição mais precisa da dose de radiação, focando mais nas áreas-alvo e reduzindo a dose que chega aos tecidos saudáveis circundantes. “Estudos mostram que as pacientes submetidas a essa braquiterapia guiada por imagem têm ganhos de sobrevida e experimentam uma queda vertiginosa da toxicidade. Mas isso envolve maior complexidade, pois a paciente precisa ter acesso à tomografia e ressonância, e nem sempre esses serviços estão disponíveis”, diz Rachele.
Nos hospitais menos estruturados, as áreas destinadas à radioterapia costumam estar distantes dos lugares reservados aos tomógrafos e equipamentos de ressonância magnética. “Aqui no INCA, advoguei muito por isso e conseguimos implantar um modelo em que fazemos a anestesia da paciente e ela é transportada rapidamente e em segurança até o tomógrafo. As imagens da tomografia são mais precisas para a colocação das fontes radioativas, especialmente em pacientes com obesidade”, diz a médica.
A radio-oncologista observa ainda que a braquiterapia aumenta as chances de remissão da doença em casos de câncer localmente avançado. Porém, ao mesmo tempo em que pode oferecer um bom resultado, a radioterapia interna não está isenta de riscos e complicações a longo prazo para a qualidade de vida da paciente. “Como são próximos do colo do útero, bexiga e reto recebem uma parte da dose do tratamento e há toxicidade para esses órgãos. Pode haver, por exemplo, incontinência urinária, sangramento retal, ressecamento vaginal e disfunção sexual”, alerta. Por isso, também é tão importante que as mulheres tenham acesso à fisioterapia ginecológica no período pós-tratamento.
Câncer de colo do útero no Brasil e no mundo – Também conhecido como câncer cervical, é o terceiro tumor maligno mais comum na população feminina com 17 mil novos casos previstos para cada ano do triênio 2023-2025 no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). É também a quarta causa de morte de mulheres por câncer em todo mundo, segundo o levantamento Globocan, da Organização Mundial da saúde.
A escolha do tratamento mais adequado é uma decisão que deve ser tomada pela equipe de oncologia (que inclui clínicos, cirurgiões e radio-oncologistas, entre outros profissionais) em conjunto com a paciente. De modo geral, a primeira abordagem do câncer cervical costuma ser cirúrgica. Mas isso é válido para os casos em que o tumor está em fase inicial. Pacientes com tumores localmente avançados costumam ser submetidas a protocolos que associam a quimioterapia (com uma ou mais substâncias) e radioterapia associada a braquiterapia, não sendo realizada a cirurgia. Além disso, a imunoterapia começa a ser também administrada em tumores ginecológicos, como o câncer cervical em fase mais avançada.
O câncer de colo do útero é prevenível por meio da vacina contra o HPV, disponível na rede pública para meninas de 9 a 14 anos; meninos de 11 a 14 anos; homens e mulheres imunossuprimidos de 9 a 45 anos que vivem com HIV/aids, transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea e pacientes oncológicos. A mesma vacina protege do câncer de colo do útero e de outros tumores na região anal, assim como de tumor de orofaringe, na região de cabeça e pescoço. Já a prevenção secundária consiste em rastrear as lesões precursoras em visitas periódicas ao médico. “A mulher deve fazer o teste para rastrear o câncer do colo do útero e de suas lesões precursoras a partir dos 25 anos se já tem atividade sexual, sendo que os dois primeiros exames devem ser realizados com intervalo anual e, se ambos os resultados forem negativos, os próximos devem ser realizados a cada 3 anos”, ensina Rachele.