Prêmios Nobel de Medicina e Física debatem Ciência com estudantes brasileiros

Alunos de graduação e pós-graduação de diferentes áreas da Ciência, representando 38 universidades brasileiras, se reuniram na manhã desta quinta-feira (8) com os prêmios Nobel de Medicina em 2014, a norueguesa May-Britt Moser, e o Nobel de Física em 2012, o francês Serge Haroche, no evento “O Valor da Ciência”. A inédita iniciativa no país foi promovida pela Academia Brasileira de Ciências e pela Nobel Prize Outreach (braço de comunicação da Fundação Nobel), em colaboração com o Instituto Serrapilheira, e teve transmissão ao vivo para todo o mundo pelo canal do YouTube da Fundação Nobel.

Por mais de duas horas, os estudantes tiveram a oportunidade de perguntar aos ganhadores do prêmio Nobel sobre seus trabalhos e rotinas, mas também questões sobre temas como a importância da educação para o desenvolvimento da ciência básica, biodiversidade, participação das mulheres nas pesquisas e, principalmente, sobre o combate às fake news contra a Ciência em meio à pandemia de Covid-19.

Dividido em dois blocos, o encontro foi mediado pelo diretor da científico da Nobel Prize Outreach, Adam Smith. O objetivo do evento foi inspirar os jovens estudantes em torno do desenvolvimento de pesquisas científicas e promover uma discussão sobre a importância da ciência para a sociedade e para a elaboração de políticas públicas com base no conhecimento científico. A discussão também contou com a participação de Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, copresidente da Rede Interamericana de Academias de Ciências, Laura Sprechmann, CEO da Nobel Prize Outreach, e Hugo Aguilaniu, presidente do Instituto Serrapilheira.

Diversidade nas pesquisas científicas

May-Britt Moser, ganhadora do Prêmio Nobel de Medicina em 2014 por conta de suas descobertas de células cerebrais que definem nossa orientação espacial, foi a primeira a falar no evento. A norueguesa destacou a importância da educação básica na formação de novos cientistas e usou sua experiência pessoal para falar de como a curiosidade é uma parte fundamental do aprendizado individual. “Minha professora nos levou à praia para falar das espécies de plantas e animais e isso foi muito marcante pra mim”, lembrou Moser.

Segundo ela, um bom ponto de partida para alavancar o interesse das pessoas pelas descobertas científicas são as próprias crianças em idade escolar.

“Uma criança pode falar aos seus pais sobre os malefícios do plástico no meio ambiente, por exemplo. No final das contas, elas podem ser as embaixadoras da ciência”, apontou a pesquisadora.

“As pessoas negam a ciência por não entenderem como as coisas funcionam. Precisamos de cientistas para entender esse processo da Covid-19, entender como o vírus funciona, fazer as perguntas específicas e as globais. A ciência é importante para isso. Precisamos acreditar no bem e na ciência”, disse May-Britt Moser.

A pesquisadora também chamou atenção para a importância da curiosidade dos cientistas e da importância da diversidade para o desenvolvimento da ciência. “Quando começamos nossa pesquisa, foi importante a diversidade, não por ser moda, mas porque tentamos ser criativos, ter as melhores perguntas para cada questão. Pessoas diferentes, com outras histórias e aprendizados, foram fundamentais para fazer as perguntas mais importantes, senão a ciência continuará sempre a mesma coisa. Ciência é arte, é criatividade”, disse.

May-Britt ainda falou sobre feminismo na ciência e como melhorar a posição das mulheres na área: “A primeira coisa a se fazer é não dizer que somos cientistas mulheres. Somos cientistas. Se não acreditarmos em nós mesmas, os outros também não acreditarão. E falando desta forma trabalhamos contra nós mesmas”.

História da ciência

O físico Sergio Haroche lembrou que a Humanidade vive tempos desafiadores por causa das mudanças climáticas e da necessidade de alimentar grandes populações.

“Solução para mitigar esses problemas só poderão vir da ciência. Temos que encontrar outras maneiras de desenvolver energia. A Física e a Química vão trazer soluções para nos livrar de energias fósseis”, apontou o cientista, que ganhou o Prêmio Nobel em 2012 por métodos experimentais inovadores que permitem a medição e manipulação de sistemas quânticos individuais.

Haroche comentou as dificuldades enfrentadas no combate às fake news, que ficaram ainda mais evidentes em meio à pandemia de Covid-19.

“Precisamos da ciência para reconhecer nossos problemas, ainda mais em um ambiente em que muitas pessoas negam a realidade. Precisamos de governos que reconheçam o valor da ciência, porque sem ela não conseguiremos enfrentar os problemas do momento”, disse Serge Haroche. “A globalização e a expansão dos mercados deixaram pessoas à margem e só vamos enfrentar esse negacionismo com educação, explicando às crianças o que é o pensamento racional e como a ciência tem seus próprios valores”.

Durante a conversa com os estudantes, Haroche falou da relação entre História e Ciência e de como descobertas – como as do físico alemão Albert Einsten – demoraram anos para serem comprovadas, sendo utilizadas muitas vezes para fins diversos dos que foram inicialmente propostos.

“No começo do século passado, ninguém previu a chega dos computadores, e sequer dos aviões. As pessoas estavam mais preocupadas em resolver problemas de telefonia. Nesse caso, fazer qualquer previsão para os próximos 50 anos pode ser muito arriscado”, apontou o físico. Haroche também comentou a dificuldade dos cientistas em atrair a atenção das pessoas.

“Talvez seja importante falar mais sobre a história da Ciência e de como ela é universal e importante para as nossas vidas. Você pode levar Ciência às crianças através dos jogos, mas num determinado momento é necessário preencher a lacuna entre conhecimento comum e a tecnologia”, explicou.

Segundo ele, um bom exemplo do uso prático da Física está nos táxis que circulam nas grandes cidades, que usam aparelhos de GPS para transportar as pessoas. “Einstein nunca sonhou com o GPS, e isso aconteceu muito tempo depois das teorias daquela época”, completou.

Valorização da educação

Assim como May-Britt Moser, Serge Haroche também insistiu na valorização da educação como fundamental para a formação de novos pesquisadores. Ambos os pesquisadores elogiaram muito as perguntas feitas pelos estudantes brasileiros.

“Os jovens devem compreender que não precisam saber tudo. Porém, precisam manter suas mentes abertas e confiantes de que conseguirão ter suporte do seu país”, observou. “Nosso ambiente está sendo destruído e isso afeta o planeta. Esse é um grande desafio que a Humanidade terá de enfrentar nas próximas décadas e as novas gerações terão um papel muito grande para entender os problemas e resolvê-los”, disse.

Para o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, o evento “O Valor da Ciência” é essencial em um momento em que conquistas científicas são amplamente questionadas. “Não estamos falando apenas do formato da terra. É um kit completo, que inclui medicamentos ineficientes, combate ao aquecimento global, entre outros temas”, disse Davidovich. “O Brasil vive hoje uma situação terrível, com mais de quatro mil mortos por dia. A lição que aprendemos com essa pandemia é que o negacionismo mata.”

Redação

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