A anemia falciforme é uma doença hereditária responsável por modificar células sanguíneas, alterando o formato das hemácias – as células vermelhas do sangue, encarregadas pelo transporte de oxigênio no corpo – originalmente em formato de disco para um formato similar ao de uma foice. Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 60 mil a 100 mil brasileiros convivem com a doença1 e, em sua maioria, essas pessoas dependem exclusivamente do SUS para o tratamento. Atualmente, a única terapia curativa disponível para a doença é o transplante alogênico – a doação de células da medula óssea de um doador saudável a um paciente -, no entanto, a falta de doadores limita muito o seu uso.
Num futuro próximo, as pessoas com anemia falciforme poderão ter uma alternativa de tratamento, com o uso de terapias gênicas, com potencial de cura da doença. No Brasil, há um projeto que estuda esta abordagem e faz parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), liderado pelo Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o Ministério da Saúde e o Hospital das Clínicas de São Paulo.
A iniciativa baseia-se na metodologia de correção das células-tronco e transplante autólogo – isto é, o transplante de células tronco da medula óssea do indivíduo para si próprio. As células-tronco da medula óssea são células que têm capacidade de dar origem às células sanguíneas, como hemácias ou células de defesa do corpo. Nesta técnica, as células-tronco são coletadas do sangue do paciente e enviadas ao laboratório, onde serão submetidas à correção genética, e transplantadas no próprio paciente. Estas células-tronco corrigidas darão origem a hemácias saudáveis, que não obstruirão os vasos sanguíneos do indivíduo, deixando-o livre das complicações da doença.
Os resultados desta etapa em animais irão validar que esta estratégia de terapia é segura e eficaz, para que, em seguida, sejam incluídos pacientes no estudo, assim como explica o Dr. Luiz Vicente Rizzo, médico pesquisador líder da iniciativa no hospital: “Em todas as pessoas com doença falciforme, as hemácias podem adquirir forma de foice e prejudicar sua saúde. Portanto, neste estudo, visamos corrigir as células-tronco para que as hemácias não adquiram mais o formato de foice, garantindo assim uma vida livre de complicações da doença falciforme. Este é um dos estudos no mundo que usa a correção das células para identificar uma potencial cura”.
De acordo com a médica pesquisadora Dra. Karina Tozatto Maio, a iniciativa representa não só um grande avanço para a medicina, como também terá um impacto direto na qualidade de vida das pessoas que a portam. “A doença falciforme é uma doença negligenciada e que causa muitos problemas aos pacientes. O principal risco é a obstrução dos vasos sanguíneos, que podem ser entupidos pelas hemácias em forma de foice junto com outras células, resultando assim em anemia, fortes dores pelo corpo, AVC e infecções diversas, além de poder levar à morte precoce. Ter no Sistema Único de Saúde um tratamento eficaz e com potencial de cura é algo muito promissor, principalmente porque a maioria da população que convive com a doença depende do sistema público para se tratar”, ressalta.
A pesquisa se encontra na fase pré-clínica, de desenvolvimento e validação de protocolos. Após essa etapa, os testes serão realizados em estudos clínicos – com a presença de pacientes. Os estudos clínicos podem possibilitar, no futuro, uma avaliação de custos para o sistema público de saúde, com o intuito de verificar a aplicação do procedimento do ponto de vista econômico e indicar a melhor forma de implementá-lo no SUS.
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