Apesar das doenças raras afetarem uma pequena parcela da população, quando somadas, cerca de 13 milhões de pessoas convivem com o diagnóstico de alguma delas no Brasil. Quando acrescentamos o impacto social, levando em consideração que 75% dos pacientes são crianças, o número de afetados se estende para cuidadores, familiares e amigos.
A jornada dos pacientes raros, entretanto, ainda passa por diversas dificuldades e gargalos, a começar pelo diagnóstico, que pode demorar anos até se chegar a uma conclusão, abrangendo ainda a falta de centros de referência com expertise para oferecer os cuidados recomendados e diferentes barreiras de acesso. Outro aspecto que demanda atenção é o impacto econômico gerado por uma doença rara: por serem condições que envolvem participação permanente de cuidadores, além do uso ativo do sistema de saúde para manutenção da vida do paciente, são necessárias avaliações contínuas para que gestores tomem decisões sustentáveis para o sistema de saúde e que propiciem mais qualidade de vida para todos os pacientes.
A hemofilia, doença hereditária rara caracterizada por um distúrbio hemorrágico em que o sangue não coagula corretamente, levando as pessoas a sangrar por mais tempo e em maior frequência do que o normal, é um desses exemplos. Por ser uma condição crônica que acompanha o paciente durante toda a vida, os cuidados adequados são necessários para que a doença não leve a sequelas físicas como artropatias ou outras consequências mais graves.
A doença atinge aproximadamente 400 mil pessoas ao redor do mundo e, no Brasil, existem cerca de 13 mil pacientes vivendo com a condição, de acordo com o Ministério da Saúde. Esse número posiciona o país como a terceira maior população portadora da doença no mundo. “Atualmente, a prevenção dos sangramentos é realizada com a reposição do fator deficiente, no caso da Hemofilia A, o fator VIII, responsável pela coagulação do sangue. Porém, esses pacientes podem desenvolver anticorpos inibidores contra este fator, neutralizando a sua ação e o tornando ineficaz, o que reflete na quebra do controle dos sangramentos e impactando sua qualidade de vida”, explica a Dra. Melina Swain, médica, hematologista e hemoterapeuta da Fundação Hemocentro de Brasília (FHB).
Esse é um dos fatores que impactam economicamente os cuidados com a doença, de acordo com estudo “O uso de dados do mundo real na análise econômica de doenças raras: os custos da hemofilia no Brasil”, realizado pelo Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde – IATS. Quando o paciente desenvolve anticorpos inibidores contra o fator VIII, o que representa cerca de 30% dessa população, segundo o Manual de Hemofilia do Ministério da Saúde, há aumento da frequência e/ou gravidade dos episódios hemorrágicos. Nesse cenário, os custos para atenção à pessoa com hemofilia, com os cuidados adequados durante esses episódios pode aumentar em até cinco vezes. Assim, não só há o impacto da falta de controle sobre os sangramentos na vida dos pacientes, como também o impacto no Sistema Único de Saúde, com a imprevisibilidade orçamentária, refletindo na oneração de recursos.
Além disso, os impactos aumentam em função da gravidade da doença. “A hemofilia pode ser classificada como leve, moderada e grave. Quanto mais grave for a doença, mais insumos serão necessários, principalmente quando falamos do fator deficiente. Um paciente mais grave, vai necessitar de mais aplicações para prevenir esses sangramentos, a chamada profilaxia. Isso tende a ser mais comum nos casos graves e, normalmente, acarreta em pacientes que buscam mais pelos serviços de saúde, têm mais intercorrências em consequência das hemorragias e precisam de mais recursos para evitar sequelas”, exemplifica a médica.
O impacto econômico da doença, entretanto, não se limita apenas aos cuidados para profilaxia. Indiretamente, o manejo da hemofilia também afeta a renda familiar. A pesquisa “Um Retrato da Hemofilia no Brasil”, realizada pela Veja Saúde com apoio da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH) e da Roche Farma Brasil, mostrou que 49% dos pais de crianças e adolescentes com hemofilia A pararam de trabalhar para acompanhar os filhos nas idas e vindas a consultas médicas e visitas frequentes aos hemocentros, enquanto outros 9% perderam o emprego devido às ausências frequentes.
Este cenário faz com que a busca por alternativas de cuidados se torne um dos principais objetivos da comunidade com hemofilia. É o que afirma Tânia Pietrobelli, presidente da FBH. “As inovações no cenário da hemofilia são bem-vindas e necessárias principalmente por seu potencial de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Como sociedade, precisamos olhar para essas famílias e buscar o aprimoramento constante das políticas públicas em hemofilia para garantir que pacientes, cuidadores e familiares possam estar inseridos na sociedade e exercendo sua cidadania de forma plena, na educação, no trabalho e no lazer, como cidadãos produtivos na construção de nosso país”, comenta Tânia.