Saúde da mulher e da criança: lei versus ciência

A assistência às gestantes brasileiras na rede pública de saúde seguirá agora um novo protocolo. Sancionada em 14 de junho de 2023, a Lei 14.598, que tem origem no PLC 130/2018, de autoria do então deputado federal e hoje senador Weverton (PDT-MA), determina que um exame adicional seja incluído no pré-natal feito nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS): o ecocardiograma fetal.

Também deverão ser realizados ao menos dois exames de ultrassonografia transvaginal durante os primeiros quatro meses de gravidez. Em caso de risco na gestação, a lei ainda impõe ao médico a reponsabilidade de encaminhar a gestante aos tratamentos adequados, visando a “salvaguardar a vida”.

Embora a determinação pareça um avanço à primeira vista, entidades especializadas, como a Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo (SOGESP), ponderam que essa resolução não é sinônimo de melhor qualidade no acompanhamento. Em nota oficial, a SOGESP pontua que a introdução ou a retirada de exames deveria se basear em evidências científicas.

Indicações restritas

“Além de exigir profissionais altamente treinados, as evidências apontam que o ecocardiograma fetal, que avalia detalhadamente o coração do bebê, não é necessário para todas as mulheres. Não há, no Brasil ou no exterior, protocolos assistenciais que recomendem o eco de forma generalizada.”, esclarece a coordenadoria cientifica de Obstetrícia da Sogesp “Ele pode identificar risco cardíaco, mas não melhorar o prognóstico, uma vez que a maior parte das malformações não demanda atendimento intra-utero ou imediatamente após o parto.”

Afora a desnecessidade do ecocardiograma, o texto da lei, vago ao ordenar a realização de no mínimo duas ultrassonografias transvaginais no primeiro quadrimestre, pode induzir a grávida a passar por procedimentos que não agregam benefício algum a seu pré-natal.

O essencial

A maioria dos protocolos assistenciais orienta que seria adequado que as gestantes de risco gravídico habitual pudessem ser submetidas a pelo menos dois exames ultrassonográficos. O primeiro, entre 11 e 13 semanas e 6 dias serve para datar corretamente a gravidez, determinar o número de fetos e, em caso gestação múltipla, sua cronicidade/amnionicidade, e avaliar marcadores para cromossomopatias, como a medida da transluscência nucal e a visualização do osso nasal. “É quando deve ser verificado se o feto apresenta anencefalia, onfalocele, gastrosquise e outras malformações”.

Já o segundo exame, por via abdominal, acontece de 18 a 23 semanas e 6 dias, e avalia a localização da placenta, o crescimento e a morfologia fetais, sendo complementado pela avaliação transvaginal, que mensura o comprimento do colo do útero para verificar o risco de parto prematuro. “Isso é justificável, considerando que a prematuridade ocorre em cerca de 11% das gestações e afeta tanto a criança quanto a família durante a vida inteira.”

Toda a morfologia do feto é avaliada no segundo trimestre, o que inclui o coração. Se realizada de forma adequada, essa avaliação é capaz de apontar defeitos cardíacos maiores, selecionando os casos que devem ser submetidos a uma ecocardiografia fetal.

A SOGESP ressalta que poucas vezes as malformações cardíacas são complexas, necessitando de intervenção cirúrgica antes do nascimento – basta o acompanhamento com pediatra e cardiologista infantil. O diagnóstico intrauterino, portanto, não é fundamental. A ultrassonografia morfológica do segundo trimestre deve ser o exame preconizado, e a ecocardiografia fetal, reservada a pacientes específicas, aquelas com fatores de risco aumentados para cardiopatia fetal ou alteração na morfologia fetal.

“A inclusão de um exame diagnóstico como rastreio representa apenas oneração aos cofres públicos e sobrecarga do sistema de saúde, sem aperfeiçoar a assistência prestada”.

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.