Na sua opinião, o que é mais demorado para um paciente de câncer: a peregrinação no posto de saúde entre a suspeita e os primeiros exames, o período para realizar as biópsias para confirmar o diagnóstico ou o tempo para iniciar o tratamento? Certamente não é uma resposta fácil ou simples, mas ainda assim é o tipo de questão que precisa ser feita em um país como o Brasil, em que cerca de 582 mil pacientes serão diagnosticados com algum tipo de tumor só em 2018, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA).
A pergunta faz parte de um questionário elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para ser respondido pelos médicos patologistas. O objetivo é ouvir os especialistas que ficam na linha de frente do diagnóstico para compor o processo de auditoria em curso no Ministério da Saúde para avaliar a implementação da Política Nacional para Prevenção e Controle do Câncer. O ponto central da auditoria é entender gargalos e propor soluções no acesso ao diagnóstico, algo fundamental para reduzir a mortalidade pela doença.
A ação se deu após uma série de reuniões e audiências solicitadas pela Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), órgão que representa e congrega os especialistas em Anatomopatologia e que há tempos reivindica, entre outros pontos, maior foco na discussão das políticas públicas contra o câncer e a atualizações na Tabela SUS. Esse instrumento de precificação é organizado pelo Ministério da Saúde e norteia todos os valores pagos pelo Estado por cada procedimento fornecido aos usuários do Sistema Único de Saúde.
Segundo o médico patologista e presidente da SBP, Dr. Clóvis Klock, a falta de atualização da Tabela SUS é um dos principais gargalos da saúde pública, ainda mais quando o assunto é Oncologia. Não à toa, discutir esses valores serviu como norte para mais de cinco reuniões em um período de três anos com o Ministério da Saúde, entidades médicas e outros setores relacionados à luta contra o câncer.
“Os valores praticados são aquém da realidade de um laboratório de análise anatomopatológica. Um exame de Papanicolaou, por exemplo, é remunerado em R$ 6,97 por procedimento, o que torna inviável para um laboratório de patologia aceitar demandas vindas do SUS. Contando apenas com os materiais, usamos cerca de R$ 15,00 por cada análise, sem contar a taxa de serviço dos funcionários e outros custos que o laboratório precisa cobrir”, explica.
Histórico de cobranças
A Tabela SUS foi criada pelo Ministério da Saúde como forma de desburocratizar a contratação de laboratórios e a padronização dos pagamentos, para que os estados e municípios tivessem autonomia de novos contratos conforme a demanda. No entanto, a boa intenção acabou se transformando em um dos desafios da luta contra o câncer exatamente pela falta de uma atualização efetiva e célere.
Ainda no exemplo da análise do exame de Papanicolaou, que foi feito mais de 11,7 milhões de vezes apenas em 2017 no Brasil segundo o DataSUS, o último reajuste aconteceu em 2007 e ainda assim não acompanhou a inflação da época. Nesse período a única mudança aconteceu em 2017 e foi nas análises de anatomopatologia mamária, uma conquista após muito diálogo que ajudou muitas pacientes, laboratórios e especialistas.
“A possibilidade do questionário do TCU e consequente participação da especialidade na auditoria também são vitórias importantes, mas fazem parte dos primeiros passos que devem ser acompanhados de perto. Para uma máquina funcionar o mais difícil é tirá-la do lugar. Nós conseguimos, mas agora que ela está em movimento vamos focar nossas forças para direcioná-la e não deixar que pare”, conclui o presidente da SBP.