Tensão causada pela Covid-19 afeta qualidade do sono

Uma pesquisa identificou que 74,8% dos pacientes que tiveram Covid-19 se queixaram do agravamento de problemas de sono. A reclamação está diretamente ligada à relação que se estabelece entre a doença e a questões emocionais, que afetam diretamente o descanso noturno.

O estudo ‘Sleep problems during the Covid-19 pandemic by population: a systematic review and meta-analysis‘ (‘Problemas do sono durante a pandemia de Covid-19 por população: estudo sistemático e meta análise’, em tradução livre), publicado no site do National Center for Biotechnology of Information, da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, revela ainda que, entre os profissionais da saúde, o índice dos que informaram sofrer de problemas para dormir ao longo da pandemia foi de 36%; na população em geral, foi de 32%. A meta-análise considerou 44 outros estudos, envolvendo mais de 54 mil participantes em 13 países.

“Nós estamos de fato mais preocupados devido à pandemia da Covid-19”, explica o dr. Fernando César Mariano, otorrino do Hospital IPO. “Estamos preocupados com o risco de morte, com problemas financeiros, trabalho, familiares, e isso nos deixa em um estado de hiperalerta, que é uma reação de estresse e que acaba fragmentando o sono, causando mais despertares e pesadelos, interferindo na quantidade e na qualidade do sono”, informa.

Ainda que não exista comprovação científica de que o vírus cause algum tipo de déficit neurológico que afete o sono, o que a medicina já identificou são as interferências indiretas, sobretudo ligadas a questões emocionais, de transtornos pós-traumáticos, como o aumento de índices de depressão e ansiedade e casos de Burnout potencializados pela Covid-19.

“Detalhe importante: o sono ruim piora a imunidade”, acrescenta o dr. Fernando. “No paciente que está com Covid, se ele tem um sono pior, acaba por criar um ciclo vicioso, porque essa deficiência vai piorar a doença. Há uma grande quantidade de citocinas produzidas durante a Covid, e uma das funções do sono é justamente abrandar as citocinas”, detalha.

Apneia do sono e falta de ar à noite

O problema pode se agravar em quem já sofre de apneia do sono. Isso porque a apneia diminui a oxigenação noturna, e pacientes que tiveram Covid-19 com um maior comprometimento pulmonar podem ter um quadro mais intenso de problemas respiratórios à noite, o que pode afetar a qualidade do sono.

Pacientes que passaram pela doença relatam certo cansaço em pequenos esforços, o que revela certa fragilidade na respiração, e pode resultar em fragmentação do sono à noite. “E aí, independe de ter ou não apneia diagnosticada”, acrescenta. Para o dr. Fernando, a Covid-19 precipitou problemas de sono, porque as queixas vieram também de pacientes que nunca haviam apresentado quadros de insônia. Já em casos de pessoas que eventualmente enfrentavam noites em claro, o caso se agravou. A orientação do otorrino é, caso o problema se torne frequente, procurar um especialista que possa aplicar ferramentas da terapia cognitivo-comportamental, incluindo a higiene do sono, antes de optar por medicações.

“Se o paciente está disfuncional, não consegue boa concentração e tem percebido dificuldades de memorização e de humor durante o dia por um sono prejudicado, tendo pesadelos frequentes ou acordando várias vezes sem conseguir retomar o sono, o ideal é iniciar com uma revisão comportamental de alívio de estresse”, orienta. Assim, rituais de relaxamento como meditação, evitar aparelhos eletrônicos nas horas que antecedem o sono, comida pesada ou algo que traga agitação, podem ajudar na preparação para uma noite reparadora.

“Em último caso, solicitamos exames, como a polissonografia, para avaliar a saturação, a arquitetura do sono – a quantidade do sono superficial e profundo – além de descartar outros distúrbios do sono. Isto nos permite fazer o acompanhamento completo do paciente. E essa é uma estratégia não apenas para pacientes que enfrentaram a Covid-19, mas para pacientes em geral, que estão enfrentando problemas de sono”, conclui.

Pandemia afeta sono dos brasileiros e leva a aumento do consumo de remédios para dormir

O estresse causado pela pandemia é o grande responsável pela piora na qualidade do sono de muitos brasileiros. É o que afirma uma pesquisa, realizada pelo Royal Philips, que indicou que 74% dos entrevistados enfrentam problemas de sono. Desses, 50% acreditam que a pandemia afetou diretamente a possibilidade de dormir bem. 47% dos participantes também relataram que acordam no meio da noite. Esse cenário de noites mal dormidas levou a um outro reflexo: o aumento da venda e do consumo de remédios hipnóticos que ajudam a regular o sono. Um crescimento de 20% em 2020, em comparação com o ano anterior, segundo o Conselho Federal de Farmácia.

Para o médico otorrinolaringologista e coordenador de residência do Hospital Universitário Cajuru de Curitiba (PR), Marco César, o estado emocional tem um papel importante na qualidade do sono. Outros fatores que também podem impactar o momento de dormir são: a má alimentação, o uso de bebidas alcoólicas e os distúrbios metabólicos, como alterações hormonais. Estudos já mostram que a qualidade da alimentação e a moderação no consumo de álcool foram justamente dois hábitos que mudaram durante a pandemia.

“Quando pensamos em um corpo saudável precisamos pensar em três grandes pilares: o primeiro é a alimentação saudável, o segundo é atividade física e, por fim, o descanso. Então, o sono é o momento de recuperação do organismo, com a eliminação de alguns hormônios que permitem a regeneração dos grupos musculares. E no sono profundo descansamos nossa mente e recuperamos nosso estado emocional”, afirma o médico. Insônia, ronco, apneia do sono, narcolepsia, sonambulismo e síndrome das pernas inquietas são alguns dos distúrbios de sono mais comuns entre a população.

Sentimentos de nervosismo, ansiedade, tensão e dificuldade no relaxamento são apontados como os principais impactos provocados pela pandemia. Além disso, a maior exposição às telas de computadores e celulares, devido à necessidade de adaptação do trabalho ao modelo remoto, também pode ser um dos causadores do crescimento de relatos de noites mal dormidas. “O celular, a televisão, os tablets acabaram se tornando uma extensão do nosso próprio corpo. A luz azul emitida pelos aparelhos acaba inibindo a eliminação da melatonina, que é o hormônio liberado para induzir e manter o sono”, enfatiza.

Outro problema que deve ser levado em conta diz respeito aos distúrbios do sono e outros agravantes que eles podem acarretar. “Esses problemas do sono podem acabar levando a doenças degenerativas do sistema nervoso central. O paciente pode começar com alterações de memórias, distúrbios de relacionamentos e de comportamento, com crises de ira, por exemplo”, afirma o otorrinolaringologista.

Saúde mental

Para melhorar a qualidade de sono, o psicólogo do Hospital Universitário Cajuru, Sidnei Evangelista aposta no fortalecimento da saúde mental. “É o estado de bem estar que faz o indivíduo conseguir ser produtivo, realizar as suas habilidades e se recuperar do estresse causado pela rotina. Agora, na pandemia, é importante se atentar ainda mais a isso. A procura de um profissional de saúde que possa escutar e sugerir pontos importantes de análise que irão aliviar de certa forma a tensão, ou minimizar os danos, é fundamental”, explica.

Esse acompanhamento profissional também é destacado pelo médico Marco César para evitar casos de automedicação e receber as orientações indicadas a cada pessoa. “Dentro da possibilidade de cada um, é necessário tentar manter uma alimentação mais saudável, fazer algum tipo de atividade física, dando preferência às atividades matinais, e evitar bebidas alcoólicas perto do horário de dormir”. A moderação também vale no que se refere aos perigos das telas de celulares, computadores e televisões. “Nunca leve o celular, nem assista à televisão na cama. O seu corpo tem que entender que ao se deitar, você vai dormir”. O especialista ainda alerta que, se mesmo seguindo essas orientações, os distúrbios do sono persistirem, é essencial procurar ajuda médica.

Redação

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