Testar, testar e testar, essa foi a recomendação do secretário-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, quando os efeitos da Covid-19 começaram a se concretizar. Porém, para que esse procedimento tenha efeitos positivos, é necessário muita cautela e critério. Esse foi um dos pontos altos da palestra “Testes sorológicos para COVID-19: do pré ao pós-analítico”, apresentada pela Dra. Annelise Correa Wengerkievicz, diretora de Comunicação e Marketing da Sociedade Brasileira de Patologia clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), durante o 1º Congresso Virtual da SBPC/ML.
A médica explicou que a fase pré-analítica é bastante estudada na patologia clínica para compreender uma gama de processos que antecedem a análise da amostra. “Esses processos ocorrem com a solicitação do teste certo para o paciente certo, no momento certo da doença, com a clínica e amostra adequadas, com a técnica de coleta apropriada e, depois de preparar devidamente o paciente (quando isso se aplica), bem como conservação adequada da amostra, seja em tempo e temperatura, transporte correto e também informações clínicas completas e corretas para o cadastro e interpretação posterior”, comenta.
Ao longo do tempo, houve um grande investimento na tecnologia e desenvolvimento de padrões e processos para minimizar os erros analíticos. Hoje, a maioria dos erros em laboratórios vem da fase pré-analítica.
A especialista disse que, de modo geral, pode-se classificar as variáveis pré-analíticas em fisiológicas, relacionadas à coleta e fatores de interferência. É de fundamental importância a indicação do exame correto na fase certa da doença. Os testes de sorologia de anticorpos indicados antes das duas primeiras semanas completas de sintomas têm grande possibilidade de apresentar resultado falso negativo.
Um estudo recente da Infectious Diseases Society of America (IDSA) mostra que, ao final da primeira semana de sintomas, a sensibilidade de qualquer ensaio utilizado das pesquisas de anticorpos do novo Coronavírus tem a sensibilidade inaceitável para diagnóstico. “Pela segunda semana é que a sensibilidade começa a ser adequada, mas isso varia muito de ensaio para ensaio, sendo que os baseados em IgM e IgG demoram a atingir sensibilidade acima de 95% e, no final da segunda semana, têm sensibilidades subótimas”.
Segundo a Dra. Annelise, o IgA parece ter uma sensibilidade interessante, pois já inicia no fim da primeira semana com 63%, e ao final da segunda, vai para 96%. “A grande questão é que ele tem uma especificidade de 96%, ou seja, quando se aplica o teste em 1.000 pacientes com prevalência de 1% da doença, isso resulta em 40 falsos positivos. Esse risco relativamente alto de falso positivos levou a IDSA a recomendar contra a utilização do ensaio de IgA para o suporte ao diagnóstico do novo Coronavírus”, conclui.
Outras variáveis fisiológicas são a intensidade dos sintomas. A maior parte dos trabalhos publicados sobre o desempenho do diagnóstico são em pacientes internados com sintomas acentuados na doença e isso interfere no tempo do aparecimento do anticorpo e na intensidade da resposta imune. Então esses dados não necessariamente podem ser ampliados a pacientes ambulatoriais. Além disso, não há publicações sobre o comportamento da sorologia nas populações especiais, como gestantes e crianças, que podem ser diferentes da população geral.
Para as variáveis relativas à coleta do espécime, a amostra clínica recomendada é a de soro. Dependendo do fabricante, podem ser aceitos outros tipos de amostras, anticoagulantes e de quantidade de sangue coletado.
Outra questão é a identificação da amostra, em especial quando trata-se de coleta domiciliar. Os testes imunocromatográficos também têm particularidades, exigindo padronização clara do processo de identificação. Além disso, é fundamental seguir as recomendações do fabricante.
Sobre os interferentes, são substâncias ou outros fatores presentes na amostra que alteram o valor correto de um resultado; eles variam de acordo com a metodologia empregada e com o fabricante. Entre os tipos de interferentes estão o efeito matrix da amostra, ou seja, cada paciente é único, cada amostra tem apenas uma composição e os componentes dela, em conjunto como efeito matriz, podem agir de maneira individual provocando interferência analítica no teste. Já a hemólise, icterícia e lipemia têm potencial de interferência em alguns testes diagnósticos. Os anticorpos heterofilos têm reatividade inespecífica, mais fraca, que acaba levando a ligação inespecífica dos anticorpos do imunoensaio e a falsa reatividade para o analito em questão.
A reatividade cruzada é outra preocupação. Então, os imunoensaios de diagnóstico de anticorpos contra o novo Coronavírus têm potencial de reatividade cruzada em outros Coronavírus endêmicos.
Sobre a biotina, o desafio é ter o potencial de interferência nos imunoensaios que levam a ligação da biotina estreptavidina. “Apesar de hoje muitos conjuntos diagnósticos trazerem em bula altas concentrações de biotina testadas sem interferência, sempre vale a pena manter alerta para esta possibilidade”.
“Os testes imunocromatográficos são um desafio à parte, porque o mercado foi inundado com uma variedade de fabricantes e diversos desempenhos. Na escolha de um teste desses é importante fazer uma avaliação muito crítica da escolha do conjunto diagnóstico, avaliando as fragilidades e potenciais fontes de erros, além de desenhar os processos de capacitação das equipes e aplicação de protocolos de validação”, finaliza.
Novos exames e tecnologias para o diagnóstico da Covid-19 são apresentados no 1º Congresso Virtual da SBPC/ML
Uma das questões que mais têm chamado a atenção de todos a respeito da Covid-19 é sobre a preparação de respostas numa pandemia. Isso que está acontecendo é algo que a classe médica já esperava que um dia pudesse ocorrer, porém, o que não se sabia era a gravidade disso. Essa foi uma das falas da Dra. Luisane Vieira, em sua palestra “Inovações metodológicas no diagnóstico da COVID-19”, apresentada durante o 1º Congresso Virtual da SBPC/ML.
A resposta de uma pandemia está focada no tripé representado pela vacina, diagnóstico e tratamento. No diagnóstico, seria necessária a realização da testagem em massa como maneira uma efetiva de bloquear a transmissão do vírus. Foi nesse contexto que do Dr. Tedros Adhanom, diretor da OMS disse a frase: “Testar, testar e testar”.
No Brasil, seriam testadas, segundo a Johns Hopkins, 36 pessoas em cada 100 mil e a positividade dos testes moleculares estaria em 52,48%, sendo que o ideal seria que o percentual de positivos não ultrapasse 5% para ter um indicador adequado de testagem populacional. “Nosso desempenho de testagem tem sido insuficiente”, lamenta.
A médica revela que a primeira e maior inovação dessa pandemia, em termos de diagnóstico, foi devida foi devida a “O progresso da genômica, principalmente por conta do Projeto Genoma, com a disponibilidade de sequenciamento de DNA e RNA eficaz e barato. Isso possibilitou que, nessa pandemia, identificada no final de 2019; logo em 11 de janeiro de 2020 já tivéssemos o depósito de genoma do vírus em uma base pública. A velocidade e a diversidade de inovações para o diagnóstico da COVID-19 têm sido extraordinárias, comemora”.
As inovações pré-analíticas vêm acontecendo. “Em 13 de abril, a imprensa publicou a notícia de um teste molecular em saliva e todo mundo ficou empolgado, porque a saliva é um material de fácil coleta e não precisa de suabes, dos quais houve falta. Em 17 de agosto, a Universidade de Yale noticiou um projeto para realizar o teste de saliva em massa, para permitir a volta dos alunos ao campus. Agora em setembro, tivemos aqui em Belo Horizonte, Minas Gerais, a liberação de um kit de coleta de saliva desenvolvido junto com a Secretaria Municipal de Saúde, usando recipientes para urina de rotina e tubos Falcon, materiais baratos e a que todos temos acesso”.
Entre outras novidades estão: as amostras intranasais, com suabes menos profundos, como as pesquisas de antígeno Veritor BD e BinaxNow Abbott os pools de amostras para RT-PCR, novos métodos moleculares, como o RT-LAMP; a aglutinação em gel para sorologia; os painéis para vírus respiratórios adicionados do novo Coronavírus; a testagem em casa, a fim de permitir a volta da economia de maneira que a pessoa possa se testar, entrar em um aplicativo, colocar o resultado e poder se dirigir ao trabalho ou à escola.
Outras inovações possíveis são as computacionais. O Grupo Fleury e a empresa Kunumi fecharam parceria para desenvolverem algoritmos preditivos de inteligência artificial para a interpretação do hemograma na Covid-19, e muito se pesquisa para usar algoritmos para diagnóstico e predição.
“Sobre os recentes testes de antígeno Abbott, com custo de cerca de 5 dólares cada, a produção quase toda foi comprada pelo governo americano, com a meta é produção de 150 milhões de testes nos próximos meses. Não sabemos ainda se teremos uma política de testagem semelhante no Brasil, mas a OMS acaba de lançar uma iniciativa chamada “ACT-Accelerator Diagnostic Pillar”, que tem o objetivo de disponibilizar 120 milhões de testes semelhantes, incluindo em custo, para países de baixa e média renda.” conclui.
Presidente da SBPC/ML fala sobre os problemas cardíacos causados pela Covid-19 no 1º Congresso Virtual da SBPC/ML
O Dr. Carlos Eduardo dos Santos Ferreira, presidente da SBPC/ML, apresentou uma palestra dedicada aos impactos que a Covid-19 tem no coração. Com o tema “Complicações sistêmicas da COVID-19 em pacientes cardiopata”, ele trouxe uma série de reflexões sobre a troponina.
Do ponto de vista clínico, o SARS-CoV-2 é uma doença que acomete pessoas com uma faixa etária mais alta, a partir da quinta década de vida, com doença cardiovascular prévia ou mesmo hipertensão. A sintomatologia e a mortalidade para elas são maiores em relação aos jovens.
Sobre a injúria cardiovascular, o médico explica que ela pode acometer os cardiomiocitos, causando desde hipertrofia, degeneração e até necrose. “Para isso, temos alguns biomarcadores que podem ser úteis no segmento desse paciente, com destaque para o as troponinas T e I, o NT-proBNP e o BNP. A troponina é um biomarcador que eu gosto bastante. Ele pode ser importante marcador de prognóstico, mesmo para outras patologias”, explica.
Qualquer acometimento, direto ou indireto do cardiomiocito, faz com que ocorra a liberação da troponina na corrente sanguínea. “Os fatores são inúmeros. A partir do momento que temos essa injúria miocárdica causada por vários fatores, aqui colocaria a miocardite, a gente tem sinais de injúria miocárdica aguda. Quando o paciente mostra sinais de isquemia, aí ele está evoluindo para um quadro de infarto. Isso também pode ser evidenciado no curso da COVID-19”.
Segundo o especialista, o paciente pode ter o acometimento de miocardite com um quadro de extensão de cardiomiocito com certo grau de insuficiência cardíaca abrindo, então, um quadro de com infarto agudo do miocárdio. Por isso se faz importante a mensuração da troponina.
A respeito da síndrome coronariana aguda, Dr. Carlos afirma que se um paciente estiver evoluindo para um quadro de infarto do miocárdio, a troponina deve ser solicitada. Se for de alta sensibilidade, o intervalo deve ser de 0 e 1h, avaliando deltas de variação entre uma dosagem e outra. A avaliação de prognóstico também pode ser feita em outra patologia cardíaca, a principal delas no momento, a miocardite viral causada pelo Sars-CoV-2.
“Quem tem troponina alta morre mais, independente da patologia, isso é fato. É um marcador excelente de prognóstico. A maior mortalidade se caracteriza por pacientes com altos índices de troponina, entre eles os que estão hospitalizados”.
Sobre a retomada do exercício, na pós-Covid-19 em pacientes que testaram positivo e negativo, sendo sintomáticos ou assintomáticos, se coloca a utilização da troponina para a avaliação do retorno. “É pedido repouso de 15 dias após término dos sintomas, o retorno precisa ser gradual, a dosagem de troponina avaliada, deve ser feita a avaliação do eletrocardiograma de acordo com o critério de retorno para atividade. Pacientes com alteração cardíaca de troponina durante a internação devem seguir os protocolos de retorno e de pacientes com miocardite”, finaliza.
Especialista afirma que a vacina ChAdOx1 nCoV-19 produz anticorpos no combate à Covid-19 e apresenta efeitos colaterais leves
Se fizéssemos uma enquete hoje, com pessoas de todo o mundo para saber a opinião delas sobre qual seria a maior descoberta do momento, certamente a resposta seria a aprovação da vacina contra a Covid-19. Isso não seria à toda, visto que é a notícia que esperamos ansiosos.
Na palestra “A corrida por vacina para COVID-19: uma luz no fim do túnel”, parte da programação do 1º Congresso Virtual da SBPC/ML, a Dra. Lily Yin Weckx, professora associada da Disciplina de Infectologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Membro da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, trouxe várias respostas importantes sobre isso.
A médica falou que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), dados de 13 de agosto mostraram que 168 vacinas candidatas estavam em desenvolvimento. Dessas, 29 já estavam nas fases I e II – até que sejam licenciadas, precisam, ainda, passar pela fase III – e nesta última fase, estão seis vacinas, entre elas a da Universidade de Oxford, em parceria com a AstraZeneca. Atualmente, seus estudos estão sendo conduzidos no Brasil, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
Dados recentes acerca das fases I e II apontam que foram observadas nas pessoas testadas reações adversas de leves a moderadas no local da aplicação, e dor no corpo, fadiga, febre, dor de cabeça com duração de um ou dois dias, que melhoraram com paracetamol.
Observa-se que na aplicação da segunda dose, as reações diminuem muito. “O dado mais relevante são o de imunogenecidade, que mostra que com uma dose há uma indução considerada de anticorpos IGG contra o Spike. Ele já suscita uma resposta imune de anticorpos IGG muito grandes e que melhora significativamente com a segunda dose”.
Sobre os anticorpos neutralizantes, nota-se que com uma dose há um aumento entre 60 a 90% deles. Com a segunda, a porcentagem chega a quase 100% nos diversos métodos utilizados. Tb mostra uma produção de imunidade celular já com uma dose da vacina e que não modifica muito com duas doses.
Conclui-se que os resultados das fases I e II mostram que a vacina é segura, que não houve preocupações quanto sua segurança. A reatogenecidade é aceitável, sem reação intensa, e houve indução tanto da imunidade humoral quanto celular. Também apontou que o boosting (reforço) aumenta a resposta de anticorpos.
Sendo assim, o protocolo foi mudado, por incluir a segunda dose. “Hoje, o esquema da vacinação é constituído de duas doses, com intervalo de um mês entre elas. A faixa etária também foi aumentada, ou seja, todas as pessoas acima de 18 anos podem ser incluídas nos estudos de fase III, ainda recrutando profissionais da área de saúde e pessoas de alta exposição”, conclui.