Como a arquitetura e os serviços de hotelaria e facilities influenciam na experiência do cliente

Artigo de Marcelo Boeger, Alessandra Jaguaribe e Bruna Schmidt

Quando o paciente está confinado em um ambiente hospitalar e preso a uma cama, devemos dar ainda mais qualidade à sua hospedagem e a de seu acompanhante. Constantemente, precisamos repensar sua experiência e revisitar os processos que os afetam.

Quanto mais tecnologia temos à disposição para facilitar a vida do cliente, percebemos que a barreira não é tecnológica, mas, sim, cultural. Esbarramos nos processos e na infraestrutura do edifício. Soluções simples encontram limitações políticas e processuais absolutamente desnecessárias e reféns da cultura organizacional, na maior parte das vezes.

O comportamento dos usuários – alheios às políticas internas, legislações e práticas cotidianas que revelam a capacidade de entrega das equipes – acaba por ser diretamente afetado pelas soluções pensadas nos espaços utilizados e no nível de serviços existente e percebido pelos clientes.

Há Dolores, Tiagos e Daniéis; eles têm um nome e gostam de ser chamados pelo nome; podem ser filho, pai, amante, tio, avó de alguém. Desorientado, cada um deles se sentiria melhor e mais seguro se: […] Pudesse não ver a fresta entre a luminária e os defeitos do forro, um mosquito voando, o canto superior da parede descascando; e se pudesse evitar o ofuscamento do foco de luz castigando os olhos num interrogatório estranho.

Fonte: Orlando, J e Miquelin, L (2008)

Este texto nos lembra claramente o quanto a experiência do cliente de saúde passa pelo desenho do projeto e pelos serviços de hotelaria e facilities. E, se formos cavar só um pouco mais fundo, perceberemos o quanto estes serviços são mais eficientes quando a operação se abriga no desenho da arquitetura.

As atividades desenvolvidas nos diferentes ambientes devem ser muito bem compreendidas não somente pelos arquitetos que os vislumbram, mas também pelos gestores de hotelaria e facilities que irão operacionalizar estes serviços.

O melhor estado de bem-estar possível para pacientes, familiares e cuidadores se baseia na individualidade de cada um e deve estar ancorado em seus sentidos, biografia e histórias de vida, bem como nas atividades, assistenciais ou de apoio, que são realizadas dentro dos hospitais.

A rotina da hotelaria e do facilities hospitalar é diariamente impactada pelo espaço construído: a anatomia do edifício acomete diretamente os percursos e tempos de atendimento das equipes, podendo ocasionar, inclusive, riscos na segurança da assistência; infraestruturas inadequadas geram desvios de função das equipes, que deveriam estar focadas no cuidado; a atenção e os critérios utilizados na especificação de tecnologias, materiais e revestimentos ajudam na definição de procedimentos de trabalho das equipes e disponibilidade operacional dos espaços.

Entre os principais impactos sentidos indiretamente pelo cliente e que poderiam ser amenizados pela operação se houvesse uma infraestrutura mais planejada, sem dúvida, estão os longos percursos que as equipes e os cliente têm de traçar na obtenção de itens ou serviços que fazem parte de sua rotina diária, causando demoras e atrasos no tempo de atendimento.

O fluxo pode ser definido como o deslocamento necessário de bens materiais e pessoas pelo edifício hospitalar, e para a arquitetura, sua análise, apesar de fundamental, não serve “apenas” para controlar os elementos contaminantes na fonte ou para reduzir os meios de disseminação das infecções hospitalares, mas também para otimizar a operacionalização das atividades.

No que se refere ao fluxo da operação, as grandes distâncias de deslocamento, a eventual necessidade de uso de elevador e os cruzamentos com fluxos de outras atividades são outras ocorrências geradas a partir da arquitetura do edifício.

Usando o DML (depósito de materiais de limpeza) como exemplo, além do subdimensionamento frequentemente observado, sua localização inadequada pode gerar transtornos para a equipe e baixa eficiência. Vale observar a importância da atividade deste setor para o gerenciamento de leitos e faturamento da instituição. O encontro com fluxos de outras atividades ainda pode ocasionar esperas desnecessárias, cruzamento de materiais incompatível em rota (sujas x limpas) e a própria insatisfação do cliente.

Atender as expectativas de clientes e as necessidades das equipes de apoio extrapola em muito as exigências da legislação vigente.

João Guilherme Pereira Matsuchita, arquiteto e pós-graduado em hotelaria e facilities hospitalar pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, no desenvolvimento de sua pesquisa de conclusão de curso, entrevistou, no início de 2019, um grupo de 72 arquitetos especializados na área da saúde, visando avaliar a atual participação do setor de hotelaria e facilities na definição de projetos hospitalares.

A pesquisa mostrou que, na média, o gestor de hotelaria e facilities representa apenas 30% daqueles que são entrevistados para desenvolvimento e definições de projetos. É a menor parcela, junto com a Engenharia Clínica, mas com enorme capilaridade em serviços para quase todo o edifício, conforme verificado no gráfico mais abaixo.

Um outro aspecto da pesquisa que devemos levar em consideração foi revelado com a seguinte pergunta feita aos arquitetos: “Ao definir o programa de necessidades, disposição espacial dos ambientes e fluxos de um hospital, quem você geralmente consulta?”

O resultado foi que 71% consultam a RDC 50, normas e leis específicas, enquanto 29% consultam médicos e enfermeiros. Nenhum arquiteto respondeu consultar o gestor de hotelaria e facilities hospitalar nem outros arquitetos especialistas.

HIGIENIZAÇÃO

A higienização é um exemplo ideal para ilustrar a interdependência do projeto arquitetônico com os serviços prestados nestes espaços resultantes. Este setor desenvolve atividades absolutamente técnicas, com especificidades regulamentadas por órgãos e legislações. Seu objetivo é a limpeza e desinfecção das áreas do hospital com: remoção da sujidade visível; remoção, redução ou destruição dos microrganismos patogênicos; e controle da disseminação de contaminação biológica, incluindo superfícies fixas e equipamentos.

O setor é de extrema importância para a fluidez do atendimento, a segurança do paciente e a qualidade do serviço de saúde como um todo. Além disso, afeta a satisfação quanto ao tempo de espera pelo cliente e é um gargalo para o gerenciamento de leitos e fluxo do paciente, pois sua eficiência significa rapidez no giro de leito e, como consequência, um potencial aumento de faturamento. Parafraseando a teoria das restrições (Goldratt, 1984), que estabelece que os sistemas podem ser limitados em alcançar suas metas por um número muito pequeno de restrições, a área de higiene hospitalar é um excelente exemplo por poder gerar gargalo a outras partes do sistema.

Pequenos problemas relacionados ao setor normalmente geram consequências significativas na rotina de um hospital. Sob sua responsabilidade estão a busca pelo menor tempo (de deslocamento, de limpeza e de entrega) e a eficácia dos processos de limpeza e desinfecção, que são imprescindíveis para o bom funcionamento e o cumprimento da principal missão de qualquer hospital, que é cuidar da saúde de seus clientes.

Observando a rotina das equipes de higiene, que usualmente é dividida por processos (higiene concorrente, terminal, de áreas críticas e predial), e posteriormente por setores ou andares, é possível destacar dois pontos críticos e fundamentais: DML e circulações para deslocamentos. Importante, ainda, ressaltar que ambos sofrem interferência direta do avanço e da modernização dos equipamentos e ferramentas, que ao longo do tempo tiveram suas dimensões aumentadas e funções expandidas.

Os DMLs são espaços estratégicos para as equipes de higiene. Neles são guardados carrinhos de limpeza, produtos de limpeza e de reposição, além dos POPs (Procedimento de Operação Padrão) com toda a descrição das atividades do setor e FISPQs (Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos).

A RDC 50/2002 regulamenta um DML com tanque para cada unidade requerente, com superfície de 2 m² e dimensão mínima de 1 m. Na prática, este espaço acomoda, além do tanque, um armário para guarda dos produtos e a área do carrinho. O carrinho de limpeza, peça-chave para o desenvolvimento do trabalho dos profissionais da higiene, evoluiu significativamente em um curto espaço de tempo. Ele é alvo de grandes empresas do ramo e tem como objetivo facilitar o transporte dos produtos de forma segura para a equipe e para os demais clientes da organização. Os carrinhos compõem um item de peso no orçamento do setor e influenciam diretamente nos tempos de deslocamento e de limpeza dos ambientes. Eles apresentam variações de modelos e dimensões, além de unir inovação e tecnologia. Considerando um modelo intermediário, as dimensões são cerca de 119 x 058 x 110 cm.

Ao contrapor as exigências estabelecidas pela legislação vigente, especialmente a RDC 50/2002, que estabelece as exigências mínimas para os ambientes de Estabelecimentos de Assistência à Saúde, com a essencialidade da presença de um carrinho de limpeza no setor de higienização de um hospital, conflui-se na inexequibilidade da atividade nos casos em que apenas a norma seja tomada como referência para o projeto. Veja a figura abaixo.

A ilustração representa, à esquerda, o desenho de um DML seguindo apenas as exigências da RDC, com um ambiente de 2 m². Ao centro, na mesma escala, o espaço utilizado por um carrinho de limpeza com dimensões medianas, lembrando que há carrinhos ainda maiores, que requerem DMLs de maior tamanho. À direita, a imagem comprova que um DML segundo a RDC-50 não comporta nem um carrinho de higiene.

É importante observar que, além do espaço necessário para o carrinho, que não é contemplado pela exigência da normativa vigente, outros prejuízos podem ser causados às atividades da equipe por erros de projeto, como: ausência de ralo para eliminação da água dos baldes utilizados na limpeza; falta de ponto hidráulico para central de diluição dos produtos químicos; e usos inapropriados do DML como expurgo, sala de materiais ou rouparia.

Um aumento da capacidade nominal de exames, cirurgias e atendimentos que não estiver alicerçado no balanceamento do fluxo da operação da hotelaria e dos facilities (capacidade de produção e entrega da higiene, rouparia, cozinha, manutenção e coleta de resíduos, entre outros) poderá gerar gargalos limitantes ao crescimento e à qualidade do atendimento.

Os ambientes projetados são capazes de afetar a percepção dos usuários sobre sua estética, estado de conservação, sensação térmica, ruído e movimento. O fato é que se realmente queremos olhar para um hospital sob a perspectiva da experiência do paciente, teremos de repensar seus fluxos e nível de serviços, que deverão ser considerados premissas importantes para a arquitetura, assim como para os gestores de hotelaria e facilities, otimizando toda a operação para apoiar o cliente na busca de suas “jornadas de felicidade” enquanto internado.

Hotelaria e Facilities em foco na Hospitalar 2019

Marcelo Boeger é curador do Congresso de Hotelaria e Facilities e das atividades do espaço Innova-tion, que acontecem na feira Hospitalar, de 21 a 24 de maio, em SP. No Facilities Innovation ocor-rem demonstrações e palestras sobre higiene, alimentação, rastreabilidade, especificações e arquite-tura, entre outros assuntos relacionados à área de maior crescimento no setor da saúde. Mais informações: www.hospitalar.com.

Marcelo Boeger
Administrador de empresas; mestre em Gestão da Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi e em Planejamento Ambiental pela Universidade Ibero-Americana. Presidente da Sociedade Latino-Americana de Hotelaria Hospitalar; coordenador e professor do curso de Especialização de Hotelaria Hospitalar do Hospital Albert Einstein; professor de MBA em Gestão da Saúde e MBA em Infecção Hospitalar (INESP). Atua também como consultor pela Hospitalidade Consultoria.

 

 

Alessandra Jaguaribe
Graduada em Arquitetura pela UFJF/MG e especialista em Arquitetura Hospitalar pelo HCFMUSP/SP, atua como arquiteta da L+M.

 

 

 

 

Bruna Schmidt
Graduada em Arquitetura pela UCB San Pablo e em Gestão Hospitalar pela Anhanguera. Possui MBA Executivo em Marketing e Gestão de Equipes, MBA Executivo em Saúde pela UCAM, e Especialização em Hotelaria Hospitalar pelo Hospital Albert Einstein. É servidora efetiva da Universidade Federal de Mato Grosso e gerente de pós-graduação da Pró-Reitoria de Ensino de pós-graduação na mesma instituição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA. Resolução RDC nº 50, de fevereiro de 2002. Regulamento técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde.
    Brasília, 2002.
  • BOEGER, Marcelo. Hotelaria Hospitalar. Manuais de Especialização. Coordenador Marcelo Boeger; editoras Renata Dejtiar Waksman e Olga Guilhermina Dias Farah. Barueri, SP: Manole, 2011. Coleção Manuais de Especialização Albert Einstein.
  • GOLDRATT, E e COX, J – A Meta. São Paulo: Nobel, 2ª edição 2014.
  • HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN. Elementos Fundamentais do Fluxo do Paciente no Hospital. Disponível em: www.einstein.br/empresas-hospitais/consultoria-gestao/artigos/elementos-fundamentais-fluxo-paciente-hospital. Acesso em: 17/02/2018.
  • MATSUCHITA, João Guilherme Pereira. A Hotelaria Hospitalar no Planejamento do Espaço Físico Hospitalar. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Hotelaria e Facilities Hospitalar) – Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, 2019.
  • ORLANDO, José Maria Costa e MIQUELIN, Lauro. UTIs contemporâneas. São Paulo: Editora Atheneu, 2008.
  • SILVEIRA, Bruna Schmidt. A relação entre a Arquitetura e os serviços de Hotelaria Hospitalar. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Hotelaria e Facilities Hospitalar) – Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, 2018.

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 96, de março/abril de 2019. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-96-revista-hospitais-brasil

Redação

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