De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças raras são aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos ou 1,3 a cada dois mil. Para sensibilizar governantes, profissionais de saúde e população sobre a existência e os cuidados com essas doenças, comemora-se no último dia do mês de fevereiro o Dia Mundial das Doenças Raras.
O número exato de doenças raras não é conhecido, mas estima-se que existam entre 6.000 a 8.000 tipos diferentes em todo o mundo. Oitenta por cento delas decorrem de fatores genéticos, as demais advêm de causas ambientais, infecciosas e imunológicas, entre outras. Os sintomas variam de doença para doença, assim como de pessoa para pessoa afetada pela mesma condição.
Segundo Sandra Marques e Silva, especialista em cardiologia e ecocardiografia pela SBC – Sociedade Brasileira de Cardiologia e presidente do GEDORAC – Grupo de Estudos em Doenças Raras com Acometimento Cardíaco da entidade, há algumas doenças raras que se manifestam principalmente no coração, como a Doença de Fabry, ligada ao cromossomo X, a Doença de Marfan, que afeta o coração, os olhos, os vasos sanguíneos e os ossos, a síndrome de Ehlers-Danlos, que afeta o tecido conjuntivo, principalmente a pele, as articulações e as paredes dos vasos sanguíneos, e a distrofia de Duchenne, distúrbio hereditário de fraqueza muscular progressiva, geralmente em meninos.
Por serem doenças genéticas, o diagnóstico é difícil, pois quando não há acesso ao material genético, é preciso fazer uma análise clínica detalhada. “Os pacientes chegam ao consultório com alguns sintomas, como aumento da espessura cardíaca, dor no peito, falta de ar e arritmia. No caso de o médico não identificar as causas mais comuns desses quadros, é preciso considerar a possibilidade de uma doença rara, mas esse diagnóstico leva tempo até descartar todas as outras hipóteses”, explica Sandra.
Este paciente não pode ser atendido em apenas 15 minutos, pois é fundamental conhecer seu histórico familiar, o que, muitas vezes, nem ele mesmo sabe e precisa buscar informações. Muitas vezes, esses pacientes já procuraram mais de seis médicos e ninguém consegue fazer o diagnóstico, que se arrasta desde a infância ou a adolescência até a fase adulta, sem tratamento adequado, piorando o quadro clínico. “A história de vida dessas pessoas é muito sofrida. Por isso, na SBC, trabalhamos para que os cardiologistas sejam capazes de perceber que fatores genéticos podem ser a causa de doenças em pacientes que não respondem como se espera ao tratamento habitual”, expõe.
Sandra lamenta que na maioria das faculdades de Medicina não haja uma disciplina que dê foco nas doenças raras, nem dentro de genética, nem de cardiologia. “Costumamos dizer que as doenças raras são rodapé de livro, ou seja, deixadas de lado por haver tantas outras comuns.”
Hoje as doenças raras estão cada vez mais complexas e há Centros de Referência e grupos de apoio a esses pacientes em várias instituições em todo o Brasil. Atendimentos ambulatoriais chegam a reunir mais de 300 pacientes com determinada doença rara. “As novas gerações de médicos estão tendo agora, principalmente nos programas de residência e mesmo na graduação, contato com esses ambulatórios, o que vem ajudando a disseminar a cultura de investigação de uma possível doença rara”, comenta Sandra.
A SBC tem feito um papel muito importante nessa conscientização médica. O GEDORAC, que é o Grupo de Estudo de Doenças Raras com Acometimento Cardíaco, está chegando aos três anos de existência, representando um grande marco dentro do assunto. “Este espaço aberto pela SBC permite aumentarmos o alcance da educação médica, divulgando eventos científicos e artigos que estão sendo publicados em relação a essas doenças”, ressalta Sandra.
Desafios
Os pacientes com doenças raras passaram por uma dupla dificuldade durante a pandemia, pois além do risco de maior complicação devido à cardiopatia, sofreram também com falta de recursos. Vale lembrar que as medicações para doenças raras não são compradas em farmácia, mas obrigatoriamente fornecidas pelo Ministério da Saúde. Com a interrupção do fornecimento por motivos variados, os pacientes tiveram de enfrentar dificuldades nos primeiros dois anos da pandemia.
Também há uma grande dificuldade em relação aos protocolos. O tratamento dessas doenças é extremamente caro, dependendo das negociações do governo com as empresas que fornecem as medicações. “Tentamos enquadrar dois protocolos pela Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, para Doença de Fabry e cardiomiopatia amiloidótica, mas foram negados. O impacto disso para os nossos pacientes é que, infelizmente, para conseguir um diagnóstico e ter acesso à medicação, precisam entrar com um processo judicial, causando atraso no início do tratamento”, explica Sandra.
Terapia gênica
A medicina de precisão tem sido a grande aposta para lidar com as doenças raras, pois permite estabelecer o tratamento mais efetivo para o paciente. Frentes de pesquisa em terapia gênica já permitiram desenvolver medicamentos que agem dentro do material genético, levando à cura pacientes com Doença de Fabry e amiloidose, por exemplo.
“O tratamento com terapia gênica não vai ser barato, mas trará cura para pacientes que sofrem com condições muito debilitantes. Já pensou se daqui há algum tempo a terapia gênica trata da hipertensão, do diabetes e de outras doenças mais comuns? Talvez as doenças raras sejam o laboratório para a cura de muitas doenças no futuro”, finaliza Sandra.
Gostaria de informações e tratamentos de uma doença rara, que tem poucos recursos e estudos. Síndrome McCune Albright mais conhecida como Displasia Fibrosa poliostotica