Além das consequências sociais e econômicas já conhecidas em todos os países, a pandemia de Covid-19 veio a intensificar no Brasil uma situação de desequilíbrio econômico-financeiro na relação entre Estado e parceiros privados na área da saúde. Hospitais e clínicas privadas que prestam serviços complementares à atividades do Sistema Único de Saúde (SUS) são remunerados por critérios estabelecidos pelo SUS e aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde, mas que há muito tempo não representam a realidade do mercado, além de destoar do valor pago pelas instituições privadas ao SUS, em ocasiões inversas.
De acordo com Rebecca Suzanne Paranaguá, advogada do Bento Muniz Advocacia, os valores repassados aos parceiros privados sequer abarcam as despesas com os insumos para realização dos procedimentos.
“Na prática, o que se nota é a evidente disparidade de tratamento entre os parceiros privados e as instituições públicas. Em situações contrárias, nas quais os hospitais públicos prestam serviços a pacientes beneficiários de planos de saúde privados, a remuneração é feita com base nos preços dispostos na Tabela TUNEP. Essa referência, ao contrário da Tabela SUS, consegue cobrir devidamente os custos e investimentos com os procedimentos médico-hospitalares, alinhando-se aos preços praticados no mercado atualmente”, explica.
Na tentativa de reverter a situação desigual, muitas empresas têm recorrido à Justiça. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu favoravelmente às instituições hospitalares, ao analisar a defasagem e determinar que o SUS tem o dever de ressarcir pela discrepância dos valores. De acordo com a especialista, a expectativa é de que, nos próximos anos, um entendimento jurídico nacional seja formado, já que o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 666.094 (Tema de Repercussão Geral 1.033), concordou com a equivalência dos modelos de ressarcimento.
“A medida cabível é a judicialização da demanda com a apresentação de requerimento de readequação dos valores atualmente constantes na Tabela SUS”, sugere Rebecca Suzanne Paranaguá. “O recomendável seria o ajuizamento da ação o mais breve possível, porque a cada mês que passa opera-se a prescrição dos valores vencidos nos últimos cinco anos. Neste cenário, a demora para o ajuizamento prolonga o prejuízo suportado pelas instituições privadas”, complementa.
A especialista aponta que, diante do desequilíbrio, a pandemia de Covid-19 acabou agravando a situação de dificuldade na administração financeira das instituições. “A pandemia impôs incontestável sobrecarga ao setor de saúde, o que fez com que a própria prestação de serviços pelas instituições hospitalares, públicas e privadas, ficasse comprometida. Mais do que nunca, os parceiros privados foram chamados a complementar as atividades SUS, auxiliando de forma ativa no combate à pandemia. Nesse contexto, de alta inflacionária e desvalorização do real, os custos com equipamentos médicos, medicamentos e remuneração de profissionais aumentaram consideravelmente, tornando ainda mais patente o desequilíbrio”, atesta.