Considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) um problema grave de saúde pública, os acidentes de trânsito estão entre as causas que mais matam brasileiros por ano – 89 pessoas por dia morrem em decorrência deste problema, segundo dados do banco de dados públicos do Sistema Único de Saúde (DataSUS).
Somente em 2021, de acordo com informações do Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas de Trânsito (Renaest), foram registrados mais de 630 mil acidentes nas estradas brasileiras. Além disso, um estudo recente divulgado pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) alertou para o aumento de ocorrências de internação de motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito no Brasil. Conforme o levantamento, em 2021, foi registrado um número 14,3% maior do que no ano anterior, com mais de 71 mil ocorrências.
Além do alto risco de óbito, muitas das lesões decorrentes de acidentes de trânsito podem deixar sequelas incapacitantes definitivas, principalmente se a vítima não receber um atendimento adequado de primeiros socorros e se houver demora para iniciar um programa de reabilitação correto e eficiente.
“Infelizmente, as estatísticas só trazem número de acidentes e de mortes, ou seja, faltam dados em relação ao número de sequelados e o consequente impacto socioeconômico”, destaca Andréa Thomaz, fisiatra da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.
A fisioterapeuta Michelle Lisidati Franchini, que também atua na Rede São Camilo SP, explica que o dano mais comum neste tipo de acidente está ligado à coluna lombar e cervical (pescoço).
“Quando estamos dentro de um carro em movimento, nosso corpo está com a mesma velocidade que ele. Por isso, quando nos chocamos com outro veículo ou objeto, somos projetados para frente, em um movimento brusco que afeta toda essa parte da coluna”, detalha.
Segundo ela, o problema também ocorre quando há colisão por trás, uma vez que o banco atua sobre as costas, empurrando a pessoa para frente. “Quem dirige com a cabeça muito afastada do encosto, por exemplo, tem maior probabilidade de sofrer danos na coluna, nestas situações.”
Além disso, a especialista destaca que os traumas mais comuns em acidentes de trânsito são aqueles que ocorrem por penetração, quando objetos cortantes atingem o corpo; por impacto, danificando os órgãos e tecidos; e por aceleração e/ou desaceleração, afetando os órgãos internos.
Dessa forma, como podem ocorrer vários tipos de lesões e muitas delas não são visíveis, o atendimento adequado (e preferencialmente o mais rápido possível) é fundamental para evitar piorar as lesões iniciais e minimizar os riscos de sequelas.
A especialista ressalta que o processo de reabilitação deve ser iniciado o quanto antes, tão logo o paciente esteja estável clinicamente. E é muito importante ter uma equipe multidisciplinar nos planos de cuidado destes pacientes, já que as sequelas podem não ser só físicas.
“A reabilitação já se inicia na fase aguda, logo após a ocorrência do trauma, principalmente pelos cuidados respiratórios, pela prevenção das úlceras de pressão e das deformidades dos segmentos paralisados ou imobilizados”, salienta.
Lesões mais comuns provocadas por acidentes de trânsito
Traumatismo craniano ou cranioencefálico:
Inclui fratura do crânio e pode ocorrer acometimento do cérebro. Dependendo da intensidade da batida, as lesões podem ser graves e, às vezes, até irreversíveis.
Fratura exposta:
Pode ser grave pelo elevado risco de contaminação e infecção dos tecidos, pelo risco de amputação e pela perda de sangue; sua recuperação pode ser mais lenta, uma vez que será preciso reconstituir a pele e fibras musculares rompidas.
Fratura de quadril:
Muito comum em acidentes com alta energia; lesões nessa região do corpo podem causar hemorragia interna grave, o que pode ser fatal em poucas horas caso o sangramento não seja identificado e tratado imediatamente.
Fratura na coluna vertebral:
Uma fratura vertebral pode lesionar a espinha dorsal, situação em que as sequelas podem ser bastante graves e, muitas vezes, irreversíveis, incluindo a perda de movimentos de todos ou alguns membros do corpo, a perda do controle da bexiga e do intestino, e, também, a perda ou redução da sensibilidade.
Do primeiro atendimento à reabilitação: um longo processo
Michelle destaca que a reabilitação do paciente vítima de acidente de trânsito envolve reaprender ações básicas, como as atividades de vida diária, para que possa alcançar o máximo de independência e qualidade de vida.
De acordo com a profissional, uma boa avaliação fisioterapêutica, diagnóstico e tratamento do paciente têm como objetivos principais a manutenção ou ganho da amplitude de movimento dos membros, ganho de força muscular, diminuição do edema e manutenção da circulação adequada, além de prevenção de complicações respiratórias.
“Com a tecnologia atual, é possível alcançar ótimos resultados nesse sentido. Equipamentos eletroterapêuticos e de hidroterapia, por exemplo, são alguns dos inúmeros recursos que utilizamos durante o tratamento de pacientes nos ambulatórios de reabilitação da Rede São Camilo SP, sempre monitorados por uma equipe multiprofissional, que inclui fisioterapeutas, fisiatras, educadores físicos e fonoaudiólogos, entre outros”, ressalta.
Já o tempo de recuperação pode variar bastante, dependendo do tipo de lesão. O profissional de educação física Cássio Couto Moares, que também atua no Hospital São Camilo de São Paulo, afirma que pacientes com politrauma podem necessitar de até seis meses de tratamento.
De acordo com Cássio, lesões graves da coluna e/ ou crânio podem levar a condições neurológicas incapacitantes que se caracterizam por alterações da motricidade e da sensibilidade, além de outros distúrbios dos segmentos do corpo localizados abaixo da lesão, fatores que implicam no tempo e tipo de tratamento mais adequado a cada caso.
“Estudos mostram que um ano após o trauma, a velocidade de recuperação diminui acentuadamente e há pouca recuperação espontânea posterior a isso. Nestes casos, orientamos que o paciente mantenha uma reabilitação contínua”, alerta.
E atividade física: ajuda ou atrapalha?
Cássio frisa que, antes de iniciar qualquer programa de exercício físico, o paciente deverá fazer uma avaliação de pré-participação e estratificação do risco cardiovascular. Estando apto a praticar atividade física, o paciente seguirá um programa específico voltado para o tipo de lesão sofrida.
“É importante deixar claro que o exercício físico é sempre benéfico de forma ampla, tanto para a saúde física como mental. No entanto, em casos de recuperação de acidentes, o acompanhamento multiprofissional é crucial para evitar agravamento dos danos”, reforça.