A doença de Alzheimer afeta cerca de 10% das pessoas acima dos 65 anos em todo o mundo, sendo a mais comum entre as neurodegenerativas, aquelas que evoluem com piora lentamente progressiva ao longo dos anos, afetando o funcionamento adequado do cérebro. A velocidade de evolução, porém, é muito individual, variando de pessoa para pessoa, e o principal fator de risco é o próprio avanço da idade.
A patologia é mais comumente conhecida por afetar a memória para fatos recentes, mas traz consigo outros sintomas, como as dificuldades em se localizar em espaços antes conhecidos, para executar tarefas que se costumava realizar, para acompanhar conversas ou programas de televisão, a falar com fluência e fazer contas, por exemplo. Inicialmente, os pacientes conseguem manter o trabalho, dirigir e participar das atividades favoritas, fase que chamamos de “declínio cognitivo leve”. Porém com o tempo, o agravamento dos sintomas passa a comprometer atividades cada vez mais básicas da vida diária, prejudicando a independência e autonomia do paciente, fazendo com que ele dependa cada vez mais de um terceiro para manter atividades que garantam a sua segurança e sobrevivência.
É natural que a preocupação gerada pelos sintomas faça com que toda a atenção seja voltada ao paciente, inicialmente na busca incessante por alguma melhora e, mais tardiamente, para que ele mantenha algum grau de autonomia e autocuidado. Fala-se menos, entretanto, sobre o impacto que a doença gera na família e, em especial, nos cuidadores mais próximos, também chamados de “os pacientes invisíveis”.
Os níveis de cuidado ao portador da doença de Alzheimer variam dependendo da fase doença e incluem uma miríade de funções. Desde a simples supervisão até a dar banho, trocar de roupas, de fraldas, fazer a barba, preparar e administrar alimentos e medicações, transferir o paciente da cama para outros cômodos, manejar os episódios de agitação e as alterações constantes de humor, acompanhar as consultas médicas e internações hospitalares, dar suporte para outros problemas de saúde existentes, cuidar das contas, dos recebimentos e outras demandas administrativas, coordenar o cuidado entre os demais familiares e com a rede de profissionais, entre inúmeras outras funções.
Nos EUA, estima-se que 83% dos cuidadores são não remunerados, em sua maioria, familiares e amigos do paciente, porcentagem essa que deve ser ainda maior no Brasil. Ou seja, além de todas as atribuições do “cuidar do outro”, muitas vezes em tempo integral, o cuidador precisa ainda cuidar de si mesmo e gerar renda para si. Apesar de estudos mostrarem que cuidar de um familiar com demência pode produzir sentimentos positivos como o de união familiar e satisfação em ajudar o próximo, esse acúmulo de funções, na maioria das vezes, é responsável por um alto grau de estresse físico e emocional.
O relatório anual da Alzheimer’s Association (2022 Alzheimer’s disease facts and figures) descreve que os cuidadores de pessoas com demência relatam duas vezes mais dificuldades emocionais, financeiras e físicas do que cuidadores de pacientes sem demência. Informa, ainda, níveis mais altos de ansiedade (até 44% deles) e depressão (até 40%) comparados a outros tipos de cuidadores. Por fim, além de relatarem redução da rede de socialização, 74% deles se preocupam com as próprias condições de saúde.
Apesar de não haver na literatura recomendações com alto grau de evidência, algumas intervenções podem ser praticadas na tentativa de se reduzir a sobrecarga dos cuidadores. A primeira é entender que não é possível se responsabilizar por um paciente com demência sozinho. Os cuidados de vida diária, bem como atividades fora de casa (como consultas médicas, internações e reabilitação) e, eventualmente, até algumas decisões médicas, devem ser compartilhadas. Assim, é preciso ativar outras pessoas da família e do círculo social para auxiliarem, seja fazendo um rodízio de cuidadores ou estabelecendo funções específicas para cada um. Na ausência de família ou amigos próximos, procurar pessoas da comunidade, seja da vizinhança ou de instituições religiosas, pode ser uma ferramenta muito valiosa. Outra possibilidade são clínicas especializadas, seja em regime integral, temporário (“respite care”) ou diário (“day care”). Outras medidas, como estudar sobre o processo demencial, compartilhar informações e sentimentos com outras pessoas e buscar suporte emocional profissional com médicos e psicoterapeutas, podem aliviar sentimentos como angústia, exaustão, raiva, e melhorar sintomas como fadiga, ansiedade, insônia e falta de concentração.
É essencial que o cuidador cuide de sua saúde e não deixe de realizar seus exames e consultas periódicas, bem como atividades físicas de rotina. É preciso, ainda, que seja realista com a situação e consigo mesmo, solicitando por mais ajuda quando necessário. Outra atitude interessante é planejar, junto ao paciente, o futuro a curto e longo prazos, reduzindo, assim, angústias e inseguranças, e auxiliando na tomada de decisões tanto médicas quanto legais com maior clareza. Por fim, programar metas e objetivos para si próprio, a serem alcançados em um intervalo de tempo determinado, também ajuda a manter o senso de individualidade e autocuidado.
Ser cuidador de uma pessoa doente com a qual se tem um forte laço afetivo, mantendo íntegra a sua própria saúde física e emocional é, sem dúvida, um dos maiores desafios da existência humana. Sabemos que, apesar dos debates recentes sobre uma nova medicação que, em fases iniciais, poderia reduzir discretamente a piora dos sintomas do Alzheimer, ainda não se sabe se ela teria de fato algum impacto na qualidade de vida do paciente. Isso significa que ainda temos um longo caminho a percorrer no que diz respeito ao tratamento da doença e, mais do que isso, que ainda temos como família e sociedade a missão de cada vez mais nos prepararmos para cuidar dos nossos pacientes e, não menos, cuidar também dos nossos cuidadores.
Dra. Camila Callegari Piccinin é neurologista especializada em Distúrbios do Movimento no Vera Cruz Hospital, de Campinas (SP)