Com a sanção do projeto de lei (PL) 2.033/2022 por parte da Presidência da República, os planos de saúde estão obrigados a cobrir tratamentos médicos que não estão na lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS). Com isso, é o fim do que ficou conhecido como Rol taxativo e que ganhou holofotes ao longo de 2022, principalmente quando o STJ decidiu, em junho, que as operadoras de saúde não eram obrigadas a cobrir tratamentos fora da listagem estabelecida pela ANS, mas com possibilidade de cobertura em situações excepcionais.
Antes, ficava a dúvida se o Rol era taxativo, ou seja, o custeio dos tratamentos previsto na lista era imposto para os convênios, ou exemplificativo, quando servia apenas como balizador. Com a aprovação do PL, essa dúvida acaba e há um entendimento que a nova regra vai facilitar o acesso dos pacientes aos tratamentos, mas também pode desequilibrar o sistema de saúde complementar e encarecer os serviços ofertados pelas empresas.
Essa é a perspectiva de uma parte das instituições de saúde no Brasil, que podem custear os novos procedimentos, mas que serão forçadas a repassar esses valores para os beneficiários, aumentando assim os preços dos planos de saúde. Pior que isso, é que um terço dos clientes está vinculado a operadoras com problemas administrativos e financeiros, de acordo com dados da ANS, e a obrigatoriedade pode colocar em risco a sobrevivência dessas companhias e, como consequência, devem perder clientes no curto prazo. Aliás, outra consequência é a migração de usuários de planos privados para o sistema público, sobrecarregando ainda mais o SUS.
Interoperabilidade preenche a lacuna da previsibilidade
Dado o cenário negativo descrito acima, as empresas precisam ainda lidar com outro problema antigo: a interoperabilidade. Trata-se de um dos maiores gargalos do sistema de saúde no país. Isso porque cada elo do segmento, como operadoras de saúde, hospitais públicos e privados, laboratórios e clínicas trabalham de forma isolada, gerando obstáculos para integrar e consolidar as informações dos pacientes em único repositório de dados.
Sem ter uma visão integrada, as organizações não têm respaldo de uma gestão preventiva e um dos efeitos é o desperdício de recursos. De acordo com uma pesquisa realizada pela DRG Brasil, com 1,8 milhão de diárias hospitalares de mais de 500 mil pacientes, 37,7% das internações poderiam ter sido evitadas.
Por isso, a implementação do conceito de interoperabilidade é o desafio a ser superado pelas empresas e governo, porque ele permite o compartilhamento de dados clínicos entre diferentes sistemas, que podem trabalhar de forma sincronizada e integrada, mitigando problemas como má gestão, ineficiência operacional, que resultam, por exemplo, na duplicidade de exames e procedimentos.
Na prática, interoperar um ecossistema de saúde é fazer com que todas as informações geradas por um indivíduo ou população possam ser visualizadas e atualizadas por todos os prestadores de serviços. Isso ajuda os gestores a tomar decisões mais assertivas, potencializando o desfecho dos atendimentos e melhorando a experiência dos pacientes.
Outra vantagem da interoperabilidade é que ela preenche a lacuna da previsibilidade financeira, que é fundamental para ajudar as organizações de saúde no controle sobre despesas adicionais e receitas, o que poderia amenizar o impacto da nova regra.
Descompasso entre inovação e políticas públicas
O Rol taxativo não seria problema se o processo de incorporação de novas tecnologias estivesse em um nível avançado. Vejo um descompasso entre inovação médica e políticas públicas na área da saúde. Em razão disso, é mandatório que sociedade e governo estejam alinhados na mesma página para definir o que é realmente indispensável e o que é desperdício. E a tecnologia entraria em cena para garantir a qualidade dos serviços prestados à população e reduzir os custos operacionais.
Cada vez mais, empresas de diversos segmentos precisam interoperar dados de diferentes sistemas e fontes para promover a melhor experiência para clientes e reduzir custos. É natural que a saúde siga a mesma lógica. Em um cenário de grande pressão por eficiência, o suporte da tecnologia é indispensável e a sobrevivência das companhias do setor e, principalmente, seus pacientes, contam com isso.
Bruno Toldo é Chief Medical Information Officer na Infor